MEMÓRIAS FOTOGRÁFICAS –
Meu grande amigo César Medeiros vem mantendo um hábito constante e sagrado de me enviar fotografias de Natal, registradas em tempos mais provincianos, amenos e até mais românticos. Outros amigos também o mesmo, talvez conhecendo o meu interesse e carinho pelas coisas “antigas” da minha cidade. É um exercício agradável e repousante, para quem recebe e para quem as envia.
As fotos registram paisagens urbanas, com tradicionais e veneradas edificações, monumentos, prédios públicos, ruas e becos históricos, em cores ou em preto-e-branco, sendo estas as que mais me tocam e agradam, porque mostram tempos mais atrasados e, por isso, longe da memória, fadados ao esquecimento. Também estão presentes os registros do litoral urbano, das nossas praias – palco de folguedos e práticas esportivas, muitos presentes ainda hoje. E acredito, sem pudor e sem receio, que alimentar e fomentar essa lembrança, essa memória, é contribuir para disseminação e conhecimento da nossa história, uma prática que, a meu juízo, busca no passado a compreensão do presente e até do futuro.
Algumas dessas fotografias, com nosso interesse, têm o poder de nos colocar no mesmo palco, na mesma cena em que foram registadas. Nos anos 1950/60, tenho a impressão de ver circulando os tipos humanos e curiosos que enchiam os ares trombeteando sua demência, sua loucura. Revejo, cruzando as calçadas no Grande Ponto, Maria Mula Manca, o ruidoso e incompreensível mulato Gasolina arengando com um invisível desafeto, enquanto, na calçada do Cinema Rex, o mendigo Tubiba, com giz, desenhava e reproduzia palavras, com traço e letra impecáveis. Na mesma calçada, também dá para ver seu João, resmungando e vendendo laranjas, descascadas com extremas habilidade e rapidez. Que bom rever a rua João Pessoa do Cisne Bar, das Lojas Seta, do cine Nordeste, da Sorveteria Oásis, da Praça “das Cocadas “; em tempos mais remotos, de esquina com a avenida Rio Branco, o Novo Continente, e o histórico Hotel Galeria. A Cidade Alta para mim, suburbano da Guarita e das Rocas, era o destino dos meus mais interessados passeios, que incluíam o sagrado footing dominical na antiga e “desnomeada“ Praça Pedro Velho, ou na Praça Pio X, de saudosa memória. E a Ribeira velha de guerra; e o Banco do Povo, e o Grande Hotel do ladino “majó” Theodorico Bezerra? E o Banco do Brasil, e a Cooperativa de Crédito “do Doutor Ulisses de Góis”?
César mostrou-me foto dos anos 1960 e nela distingui, com nitidez e certeza, o Rocas-Quintas, ônibus cinza-grená de seu Vitôr (assim mesmo, com acento), onde, por algum tempo, trabalhei como auxiliar do cobrador – o meu amigo, hoje médico Jaime Freire. Minha função era a de “porteiro”, e a tarefa era, nas paradas, anunciar o trajeto do “coletivo”. Também já relembrei as eficientes e populares “bicudas”, “marinetes” e os “cara-curtas” da Mercedes Benz. Recebi registros da velha Ponte de Igapó e me vi em viagens a Extremoz nos velhos “maria-fumaça”, embalado pelo estalido das placas de ferro da ponte.
A nitidez das fotografias me coloca diante do Quitandinha, ponto de encontro de boêmios e conversadores do Alecrim; do Grupo Escolar João Tiburcio; dos cinemas São Luiz e São Pedro e, se eu pudesse descer as Cinco-Bocas, iria topar com a linha do trem, os muros do Curtume – parede-meia com o CIAT da Marinha; a velha e querida capela de São José, de tantas e carinhosas recordações – minhas e dos antigos moradores da Guarita.
Em todas nos vemos como se ainda em cena, cruzando ruas, subindo ladeiras, inseridos no vai-e-vem daqueles dias mais calmos de nossa perdida inocência, gostosamente revisitados através dessas memórias fotográficas.
Alberto da Hora – Escritor, músico, cantor e regente de corais