MERTIOLATE –
Existem armas claramente perigosas: revolveres, rifles, espingardas. Não entro no mérito da discussão do que seria legal ou ilegal, mas, confesso, tenho medo destes objetos. Li, ainda na adolescência “O menino do dedo verde” e trocaria, facilmente, as armas de fogo por jarros de planta, apesar de não conseguir cultivá-las. Bem, isto é outra história. Entretanto, um mundo florido e cheio de folhas de diferentes formatos e tons de verde seria muito mais charmoso que o mundo exposto nos jornais da TV na hora do almoço…
Outros objetos tornam-se armas em mãos erradas. Carros, facas, canivetes, giletes. Hoje na missa pensava naqueles que perderam suas vidas nos carros. Por estarem passando na rua na hora errada enquanto outros faziam “pegas” ou “rachas”. Perderam suas vidas, seus futuros, as histórias que ainda iam desnudar… Pergunto-me até onde Hollywood e Tarantino invadem o imaginário e fazem com que estas coisas comuns ao nosso cotidiano tomem um caminho tortuoso e massacrante. Por favor, não me entenda mal! Não culpo Tarantino (curto seus filmes!) nem os demais filmes hollywoodianos (fazem parte do meu dia-a-dia). Porém, percebo neles um campo de experimento para mentes desocupadas. Não sei se me fiz entender. Não entendo o que deveria entender… Talvez por não ser mesmo para ser compreendido nem vivido, seja apenas um distúrbio da vida que deveríamos viver…
Entretanto, estas armas não são tão comuns como a mais cruel: as palavras! As palavras têm o poder de curar e de matar, de elogiar e destratar e, diferente das demais armas, não há remédios para apagá-las. Foi dito? Marcou. Marcou como uma tatuagem. Lava-se mil vezes, mas não apaga. Usa o laser, mas não desaparece. Tatua-se por cima, mas quem tem a marca sabe que, lá na camada mais profunda… ela está. São as palavras…
Hoje com as redes sociais, parece-me que as pessoas se escondem por trás de suas telas de computador ou celulares – sempre à mão – e, mais rápido que se possa imaginar, chega a ferida.
Vive-se procurando curtidas, likes de uma vida perfeita aos olhos dos outros. Vive-se contando os comentários, tantas vezes mentirosos, impetuosos ou desrespeitosos. Vive-se preocupado com o número de seguidores, que deixam de seguir na mesma velocidade que o álcool em gel seca em nossas mãos. Mas, através disto, alguns perdem empregos, amizades ou a vida.
Uma arma. Uma arma de fácil e rápido acesso. Uma arma contagiosa, talvez mais do que um vírus. Uma arma que todos temos e usamos arriscadamente. Uma arma que dilacera invisivelmente a carne… a carne do coração, da alma…
E, assim, tive saudade do mertiolate. O mertiolate “raiz”, que se passava com aquela “pazinha” quadriculada transparente. O mertiolate que ardia pra caramba, mas junto ao sopro da mãe, logo curava a ferida causada por um tombo, uma queda de bicicleta, um arranhão ao subir numa árvore.
As dores causadas pelas palavras são mais profundas e ainda não vi mertiolate para elas… Uma pena… Pois vejo uma sociedade dilacerada pelo uso das próprias armas…
Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, professora universitária e escritora