MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO –
Como disse aqui no artigo da semana passada, a “arte” da interpretação jurídica pode ser classificada a partir de alguns pontos de vista preestabelecidos: a fonte da interpretação, o modo como ela se dá e o resultado alcançado são os mais conhecidos.
No que toca ao modo ou natureza da interpretação, ela geralmente é classificada nas seguintes espécies: interpretação gramatical ou literal (também chamada de filológica), interpretação lógica, interpretação sistemática (ou lógico-sistemática), interpretação histórica, interpretação sociológica e interpretação teleológica ou finalística. Essas categorias, registre-se, são também conhecidas como “processos” ou “métodos” de interpretação.
O método de interpretação “gramatical” ou “literal” (também conhecido como “filológico”) busca estabelecer o sentido jurídico do preceito interpretado apenas com base na literalidade, morfologia e sintaxe das palavras que o compõem. Cultuada pela antiga escola da exegese para fins de sacralização do Código de Napoleão, por ela, a partir de uma análise textual do preceito legal, busca-se a “verba legis”. Embora necessária como ponto de partida, é considerada insuficiente, se usada isoladamente, para a realização de uma acurada interpretação do direito.
Na interpretação aqui chamada de “lógica” (de “logos” ou razão) busca-se a intenção do legislador ou mesmo a intenção da lei, aceitando-se, fictamente, que esta tem uma intenção ou vontade. Essa intenção ou vontade, portanto, pode ser entendida de duas formas, como explica Glauco Barreira Magalhães Filho (em seu “Curso de hermenêutica jurídica”, Editora Atlas, 2013): “ou como a intenção subjetiva original que imediatamente motivou o surgimento da norma (corrente subjetivista) ou como uma metáfora que se refere a uma vontade intrínseca à norma que encontra raízes na sociedade (corrente objetivista)”.
Por sua vez, a interpretação “sistemática” (também chamada de “lógico-sistemática”), nas palavras de Luiz Fernando Coelho (em “Lógica jurídica e interpretação das leis”, Editora Forense, 1981), busca interpretar o preceito jurídico “como parte do sistema normativo mais amplo que o envolve. Desta forma, tanto pode ser considerado o conteúdo da lei de onde é extraída uma parte para ser interpretada – por exemplo, um artigo de código civil em relação ao sistema geral do código –, como também o formado pelo conjunto de normas que constituem o ramo especial do direito positivo – por exemplo, o mesmo artigo em relação aos princípios gerais do direito civil ou do direito privado como um todo; pode ser ainda considerado o sistema jurídico nacional e, bem assim, a “família” onde se situa o sistema nacional – por exemplo, considera-se o preceito em relação ao conjunto do sistema jurídico romanista. Este último processo desemboca no direito comparado, a ciência jurídica que se refere aos ordenamentos jurídicos positivos naquilo que eles têm de universal”.
No processo ou método interpretativo “histórico”, o intérprete trabalha com os antecedentes ou documentos relacionados ao texto normativo analisado, sobretudo os imediatos (tais como os anteprojetos e projetos de lei, as declarações de motivos, os debates parlamentares etc.), mas também aqueles mais remotos (tais como os textos legais anteriores, velhos institutos relacionados etc.), visando, assim, reconstruir as condições históricas de elaboração e o sentido “autêntico” da norma interpretada.
Já a interpretação sociológica “oxigena” ou “abre” o ordenamento jurídico à realidade social, evitando que o direito seja um sistema completamente autopoiético, que apenas se auto-alimenta. Em síntese, diz-se que ela visa: dar aplicabilidade à norma interpretada no que toca aos fatos a ela subsumidos; estender o sentido e o alcance da norma a relações jurídicas não imaginadas no momento da sua elaboração; e temperar o sentido do preceito normativo a fim de reproduzir as necessidades do bem comum e de justiça da comunidade jurídica.
Por fim, a interpretação “teleológica” ou “finalística” (que está relacionada, em um grau razoável, à interpretação sociológica, e que se assemelha/confunde, em parte, com a interpretação lógica) visa descobrir o fim a que a norma se dirige. De fato, toda norma tem um escopo, que será descoberto e valorado pelo intérprete, muitas vezes com base nas circunstâncias específicas da situação jurídica dada. Ela delimita o fim ou a “ratio essendi” da norma e, com base nisso, estabelece o correto sentido e alcance desta (da norma). A interpretação teleológica tem hoje especial aplicabilidade no direito processual. Como lembra o já citado Glauco Barreira Magalhães Filho, a interpretação teleológica é importantíssima na interpretação da lei processual em razão do princípio da instrumentalidade das formas. Segundo esse princípio, “é convalidado o ato processual que, não seguindo com exatidão a forma prescrita, alcançou o fim desejado, pois a norma [processual] é apenas o meio para atingir o fim, e não um fim em si mesmo”.
No mais, nenhum desses métodos acima referidos, se usado isoladamente, é considerado suficiente para os fins de uma correta interpretação do direito. A hermenêutica jurídica oferece esse repertório de métodos ou processos interpretativos para serem utilizados sincreticamente, todos de uma vez ou apenas alguns deles, no desiderato de superar primeiramente os obstáculos linguísticos do problema posto, mas também os históricos, lógicos, sistemáticos etc., e se chegar à melhor interpretação possível do direito.
Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP