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MILLÔR E APARÍCIO –

Somente após sua morte, em março de 2012, atentei para o detalhe de que Millôr Fernandes fora o substituto natural de Aparício Torelli na vanguarda do humorismo político brasileiro. Quando Aparício morreu em 1971, aos 76 anos de idade, Millôr contava com apenas 44 primaveras, metade dos anos que viveria. Comparar as oportunidades de crescimento profissional de Millôr com as de Aparício é covardia.

 O primeiro usufruiu da integral transformação e desenvolvimento da comunicação no país; o segundo alcançou o auge de sua produção quando ainda predominava na editoração gráfica a linotipia. Millôr usou e abusou do pseudônimo Vão Gôgo; Aparício subscrevia seus escritos com o título ilustre de o Barão de Itararé.

Em épocas diferentes, ambos tiveram como característica explorar o humor satírico com coragem e determinação, quando a liberdade individual e a expressão de pensamento eram restritas.

Acerca da proficiente atividade profissional de Millôr Fernandes, devido à ampla divulgação midiática, temos completo conhecimento. Sobre a vida de Aparício Torelli, ainda sabemos pouco. No domínio público caíram muitas das expressões do Barão de Itararé, que as repetimos sem conhecimento da autoria. Exemplos: “Além dos aviões de carreira, há qualquer coisa no ar”, “O feio da eleição é se perder” e “Deputado come o milho, papagaio leva a fama”.

Aparício nasceu no Rio Grande do Sul, estudou medicina e bacharelado em línguas, mas abandonou os cursos às vésperas de concluí-los. Aos 30 anos de idade foi tentar a sorte como jornalista no Rio de Janeiro. Trabalhou em “O Globo”, transferiu-se para “A Manhã”, contudo, movido pela determinação de fundar o seu próprio jornal abandonou o emprego, retirou o til de “A Manhã” e fundou “A Manha”. O jornal teve imensa aceitação e logo se firmou na preferência dos cariocas.

Com o sucesso vieram também os inimigos advindos das críticas duras e do estardalhaço dado a cada denúncia publicada. As irreverentes estocadas nas autoridades instaladas no poder pela Revolução de 30 resultaram em inúmeras prisões do dono do jornal.

“A Manha” era a cara do Barão. Durante os 26 anos de existência foi o veículo perfeito para suas investidas. São do período áureo de “A Manha” as máximas aqui selecionadas: “A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana”, “Os índios andavam à vontade porque nunca desconfiaram que um dia apareceriam na História do Brasil”, “Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades”, “Negociata é todo bom negócio para o qual não fomos convidados”, “Pobre só vai para frente quando dá topadas” e “Sabendo levá-la, a vida é bem melhor que a morte”.

Aparício, e no rastro de seus passos, Millôr, obtiveram resultados extraordinários manipulando provérbios. Eis outras pérolas do Barão: “Quanto mais conheço os homens mais gosto das mulheres”, “Mais vale um galo no terreiro do que dois na testa”, “Dize-me com quem andas e te direi se vou contigo”, “De onde menos se espera daí é que não sai nada” e “Quem empresta… Adeus.”.

Assim como Millôr, Aparício foi um pensador à frente de seu tempo. Expressou-se sem limites e pagou caro pelas críticas que teceu. Fez o que sempre gostou de fazer e tomou como doutrina, na existência, uma de suas mais famosas máximas: “O que a gente leva da vida é a vida que a gente leva”.

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro civil e escritor – [email protected]

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

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