MINHA QUARENTENA –
Cheguei aos trinta dias na minha quarentena. Um mês. Imaginei tirar de letra o processo por me considerar um sujeito caseiro, haja vista passar uma semana inteira no apartamento sem me dar conta do isolamento. Ledo engano. Isso acontecia porque dispunha da liberdade de entrar e sair da residência quando bem entendesse.
Permitam-me um rápido intervalo na leitura deste diário para expor algo pertinente na definição de quarentena. Transcorria a segunda metade do século XIV quando uma pandemia, muito mais terrível do que a gripezinha atual, ceifou um terço da população da Europa. Chamaram-na de peste bubônica ou peste negra.
Tratava-se da bactéria Yersinia pestis transmitida aos humanos por picadas de pulgas infectadas por ratos – acredita-se oriunda da Ásia Central. Navios procedentes desse continente, caso atracassem em portos europeus, eram obrigados a manter as tripulações retidas, antes do desembarque, por um período de quarenta dias.
Essa reclusão imposta a pessoas tidas como sadias, correspondia ao período máximo de incubação da doença até sua manifestação. O termo, popularizado, denomina hoje o tempo de isolamento demarcado por qualquer doença ou pandemia.
De volta ao diário. Minha primeira semana ocorreu sem sobressaltos. Senti a falta do encontro com amigos, no sábado, e do almoço dominical com a família. Ocupei ambos os espaços com noticiários quentes do coronavírus na televisão, claro! Fiz e recebi ligações. Pensei até num concerto lírico para vizinhos, fazendo da janela palco.
Na semana seguinte, abarrotado de leituras, de filmes e séries, e do alarmismo da televisão para me manter isolado, procurei algo diferente para fazer. Tomei banhos de sol na varanda da morada para repor vitamina D e caminhei. Percorri quatro quilômetros diários me desviando de móveis dos aposentos feito um robô.
Entrei na terceira semana sem o nosso secretário, Zé, conosco desde 30 anos atrás. Nós o liberamos porque a TV falou dos riscos de infecção que corríamos, já que o auxiliar dormia fora. Ainda lúcido, pedi a mulher para me cortar o cabelo – tão bom ficou o corte que deixei de falar com ela. Não fiz nem recebi ligações, e só me alimentei uma vez ao dia sem saco nem disposição para lavar a louça que sujasse.
Eis-me na quarta semana da quarentena. Diante do risco iminente de contrair a Covid-19, combinei com a esposa nos isolarmos cada qual num quarto, abrindo a porta somente para receber as refeições via delivery. Nada de leituras, filmes, banhos de sol nem caminhadas, apenas a TV ligada, dia e noite, nas observações e procedimentos de como evitar o coronavírus… E de olho no número de mortes do dia.
Beirando o final do mês sem que a pandemia atingisse a sua fase mais perigosa, vendo o desespero tomar conta de mim, liguei para um médico da família e lhe contei meu drama. Implorei para que ministrasse algum medicamento para aliviar a maldita ansiedade e temor absurdo.
Ele, percebendo o meu estado de descontrole, usando de toda a tranquilidade do mundo, sugeriu: Desligue a televisão. Revoltado, supondo estar sendo alvo de chacota, disse-lhe alguns impropérios. Ele, mantendo a mesma calma, repetiu: Narcelio, desligue a televisão! Desliguei o celular para não criar um entrevero familiar.
Recobrei o fôlego, matutei um pouco, desliguei a televisão e fui dormir. Amanheceu, e eu despertei com o firme propósito de me desconectar, de vez, da tal fábrica de fazer doido – definição de televisão segundo Stanislaw Ponte Preta. Abri a porta do quarto e fui preparar o café da manhã… Tão tranquilo acordei, que nem lembrei de ainda estar em quarentena.
José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor
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Concordo com a ótima sugestão de desligar a televisão. Acompanhar as notícias do Brasil e do mundo após três semanas de quarentena, além de deixar a pessoa ansiosa não traz qualquer proveito.
Na minha opinião, o melhor é caminhar em casa, assistir a bons filmes e séries de tv.
No mais, a boa leitura é sempre recomendável.