MORTE PREMATURA DA CPI DA COVID –
Em meio a notícia trágica e lamentável do país já atingir a preocupante cifra de mais de 500 mil mortos da Covid, outro fato inquieta a Nação e acrescenta turbulência ao ambiente político.
Quem tinha razão era o presidente do senado Rodrigo Pacheco, que considerava inoportuno usar a instalação de uma CPI para antecipar o debate eleitoral de 2022.
À época, segundo o parlamentar, a investigação poderia ser feita pelo STF, PF e MP, seguindo as normas legais, sem conotação política e concentrar todos os esforços no combate ao vírus.
Confirmaram-se as previsões do senador Rodrigo Pacheco.
Os fatos públicos e notórios mostram que a CPI mudou de rumo, independentemente de ser correligionário de Bolsonaro, ou oposicionista.
É apenas questão de observação dos trabalhos e aplicação do bom senso.
A CPI, salvo exceções honrosas, na oposição e no governo, é mostruário do desrespeito flagrante ao Estado de Direito e contribui para desvalorizar o Congresso Nacional, que deve ser considerado depositário das liberdades políticas.
Uma apuração qualificada das vítimas da catástrofe, não poderia antecipar julgamentos, nem tão pouco desconhecer certos fatores intrínsecos à investigação, tais como, o número de mortos comparado a outros países, o tamanho da população e a quantidade de idosos em relação à população total.
Por exemplo: um país com 200 milhões de habitantes tende a ter mais mortes do que uma nação com população de 2 milhões.
Outros fatores igualmente influem, considerando que, até hoje, o vírus e seu tratamento são desconhecidos e as próprias vacinas ainda passam por evolução, diante das variantes.
Em relação às vacinas, elas praticamente chegaram ao mercado, no ano de 2021.
O período anterior foi de pesquisa, hipóteses e tratativas.
Antes do ano corrente, prevaleceram os cuidados médicos precoces, que são inegavelmente polêmicos, com áreas cientificas que o apoiam e outras não.
Outro ponto fundamental a ser ponderado é não se configurar crime a prescrição de remédio que não esteja aprovado pela ciência, salvo exercício ilegal da medicina, charlatanismo e curandeirismo.
O país permite o uso de medicamentos “off label”, isto é, sem necessidade de seguir a bula, desde que haja clara concordância do paciente.
O remédio pode se mostrar eficaz.
Sem isso, diversas doenças ainda estariam sem tratamento.
Como leigo, a posição pessoal do autor do texto é pelo critério definido pela ciência, para efeito de prescrição do medicamento.
Todavia, não se podem negar os questionamentos, que justificam opiniões e posicionamentos divergentes.
Considerando tais circunstâncias, fato inacreditável ocorreu nessa última semana nos trabalhos da CPI.
O relator, senador Renan Calheiros, se recusou a fazer perguntas aos médicos gaúchos Francisco Cardoso Alves e Ricardo Ariel Zimerman, que compareceram pagando do bolso as próprias passagens.
Os depoentes defenderam publicamente a autonomia dos médicos para recomendarem medicamentos em pacientes de covid-19, como a cloroquina, citando que o Conselho Federal de Medicina permitia tal procedimento.
O senador Renan Calheiros não admitiu, por defender ponto de vista totalmente oposto.
Recusou-se a fazer perguntas aos dois médicos e se retirou da sala, seguido pelos senadores de oposição, salvo o presidente Osmar Aziz, que se manteve na mesa, numa atitude civilizada
Os médicos depoentes, em anos passados, trabalharam no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Anteriormente, em sessões de colheita de depoimentos, o relator acolheu, durante horas, paciência e especial interesse, as narrativas de médicos, que eram favoráveis ao seu ponto de vista.
Quando não lhe interessou ouvir as razões contrárias ao que pensa, ele deu clara demonstração de parcialidade e intolerância.
Não ficou por aí.
Logo em seguida, em tom de intimidação, o relator Renan Calheiros colocou-se diante dos holofotes da mídia e em entrevista coletiva não levou em conta os votos contrários da CPI e transformou o ministro da saúde Marcelo Queiroga em “investigado”, o que é puro arbítrio.
Não há razões para isso.
O ministro é um médico respeitado nacionalmente e tem se mostrado ameno, democrático e empenhado na vacinação.
A maior acusação contra ele é submissão a Bolsonaro, que realmente lhe cria dificuldades, pela irriquetude do comportamento presidencial.
Mas, pelo que se vê até hoje, o presidente embora fale e declare inconveniências, não impediu que o Miinistro defenda medidas sanitárias, sobretudo a vacinação em massa.
Portanto, melhor o ministério da saúde continuar nas mãos do ministro Queiroga, do que outra substituição com a pandemia em evolução.
Ele presta serviços ao Brasil, em momento gravíssimo.
Sobre os motivos e razões para transformar o ministro Queiroga em “investigado”, o relator Renan Calheiros declarou o seguinte:
“Vai ser transformado em investigado. O motivo é que “ainda em abril ele ligou para o Tedros Adhanom diretor da OMS e ofereceu cloroquina e tratamento precoce”.
Salta aos olhos, que essa fundamentação do relator não tem base legal, por ser direito do médico opinar e sugerir a forma de tratar o vírus.
Outra prova do clima de tensão da CPI é que a a médica Nise Yamaguchi ajuizou ação por danos morais contra membros da CPI pelo tratamento grosseiro dispensado a ela, durante o seu depoimento.
Qualquer análise isenta e que defenda o interesse nacional, não pode ofuscar a realidade e mostrar equívocos de parte a parte.
Tudo que vem acontecendo mostra que o debate sobre a pandemia no Brasil acha-se atrofiado.
De um lado, o presidente, de forma intempestiva, boicota orientações de especialistas sobre medicamentos, distanciamento social, uso de máscaras e até mesmo a importância das vacinas.
Com esse comportamento, cria confusão e encoraja o relaxamento das medidas de prevenção, instalando ambiente propício ao aumento de contágios.
Mesmo assim, mais de 150 bilhões já foram liberados pelo governo para estados e municipios combaterem a pandemia e as medidas de vacinação aceleram-se dia a dia.
De outro lado, a investigação congressual mostra-se nati-morta, já antes de concluir os seus trabalhos, por antecipar conclusões condenatórias e afrontar depoentes.
As regras de direito são frequentemente desobedecidas e violadas, quando os parlamentares integrantes da CPI detêm poderes inerentes ao juiz, sendo, portanto, obrigados a seguirem o “devido processo legal”.
A Constituição manda aplicar subsidiariamente as regras do processo penal, com respeito aos princípios dos direitos fundamentais.
Transformar em investigado, um ministro de estado, que já prestou dois depoimentos, sem razões claras, fatos novos, ou indícios veementes já apurados, traz consigo a desconfiança social e caracteriza abuso de poder.
As luzes incandescentes da CPI não justificam anuncios de decisões pessoais, que lesionem os direitos da personalidade, previstos no art. 5° da Carta Política de 1988:
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
A verdade é que para evitar a expedição do atestado de morte prematura da CPI em curso, algumas medidas urgentes terão quer ser tomadas, para assegurar credibilidade às investigações.
Chega-se a admitir que o comportamento extemporâneo do senador Renan Calheiros, seja um desejo pessoal de ser afastado da relatoria e não enfrentar situações que possam envolver correligionários, ou até o seu filho, governador de Alagoas.
Até aí são meras especulações.
Mas, o cenário que se repete na CPI não recomenda o silêncio, sem que isso signifique posição contrária, ou a favor do governo Bolsonaro.
As tradições democráticas do país exigem uma tomada de posição.
O presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, deveria posicionar-se, levando em conta os fatos públicos e notórios e expor a sua opinião pessoal..
Se for o caso, submete a questão em seguida ao plenário do senado federal.
O perfil do senador Rodreigo Pacheco é de político equilibrado, preparado e conhecedor da temática nacional.
Portanto, o seu silêncio poderá afetar a credibilidade do Congresso Nacional, que vem sendo atingido nos últimos episódios da CPI.
Nunca foi tão necessário usar “lanterna” semelhante a de Diógenes, filósofo da Grécia antiga, para encontrar no Brasil, uma ou mais vozes de “estadistas”, que digam o que a maioria silenciosa quer dizer e não pode..
A nação espera por isso!
Ninguém duvide.
Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal, nl@neylopes.com.br
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