Apenas 4 estados do país aplicaram todas as doses da vacina contra a mpox que receberam do Ministério da Saúde em 2023, quando começou a campanha de vacinação contra a doença no país.
É isso que aponta um levantamento exclusivo do g1, feito junto às secretarias estaduais de Saúde e superintendências de Vigilância.
Os dados mostram que somente Pará, Pernambuco, Sergipe e Tocantins aplicaram 100% dos imunizantes que receberam (veja tabela abaixo).
Ao todo, os estados informaram que foram abastecidos com 48.052 doses, mas só usaram 29.913, ou 62% do que receberam.
Piauí, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Maranhão não aplicaram nem a metade dos imunizantes que foram repassados.
Bahia, Mato Grosso do Sul e Rondônia não informaram os números de doses utilizadas no público-alvo, por isso, o percentual de imunização não pôde ser calculado para esses estados.
O Ministério da Saúde adquiriu 49 mil doses em 2023. O restante que não foi repassado aos estados seguiu para instituições de pesquisa parceiras da pasta e para o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), responsável por controlar a qualidade das vacinas utilizadas no país.
O Brasil, que tem um risco baixo para o atual surto de mpox, começou a campanha de imunização em março de 2023, inicialmente focada em:
- pessoas que vivem com HIV/aids (PVHA), profissionais de laboratórios que atuam em locais de exposição ao vírus, além de pessoas que tiveram contato direto com fluidos e secreções corporais de pessoas suspeitas.
Em junho do mesmo ano, uma nota técnica da pasta ampliou o programa para usuários da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP), permitindo que, em casos de vacinas disponíveis na rede estadual ou municipal sem uso para PVHA, elas fossem aplicadas em pacientes que usam a PrEP.
⚠️ Este ano, porém, o Ministério da Saúde não tem mais doses disponíveis da vacina para distribuir, mas espera “em breve” um novo lote (entenda mais abaixo).
Ao g1, estados que não utilizaram todo o estoque de vacinas distribuído, como Amapá e Rio de Janeiro, informaram que não têm mais imunizantes disponíveis para aplicação, mas não especificaram os motivos disso.
Outras unidades federativas, como Santa Catarina, Acre, Goiás e Distrito Federal, afirmaram que ainda têm doses, mas apenas para públicos específicos e para completar esquemas vacinais (duas doses).
Houve também relatos de “perdas técnicas” devido ao vencimento e descongelamento dos lotes, como no caso de Roraima e da Paraíba.
Já Maranhão, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Mato Grosso, Alagoas, Espírito Santo, Paraná, Minas Gerais e Amazonas não informaram se ainda possuem doses a aplicar.
Em São Paulo, o secretário estadual de Saúde, Eleuses Paiva, também informou que o estado não tem mais estoque de vacinas contra a doença.
Lacunas na estratégia
Maria Felipe Medeiros, infectologista com foco em saúde LGBTQIA+, acredita que esse baixo número de doses aplicadas pelos estados é um reflexo da falta de planejamento adequado, de campanhas de conscientização ineficazes e da demora na ampliação da vacinação contra mpox para os grupos mais afetados.
Medeiros afirma que a introdução das vacinas no Brasil ocorreu tardiamente, após o pico de casos em 2022, o que comprometeu a eficácia da campanha. Na época, ainda durante a emergência de covid-19, foram registradas 48.648 notificações para doença. Já em 2023, quando começou a campanha de imunização, ao todo, foram confirmados cerca de 500 casos em todo o país.
“A doença estava se manifestando com maior intensidade entre usuários de PrEP que não vivem com HIV e homens que fazem sexo com homens [HSH], mas a ampliação da vacinação para esses grupos só aconteceu no final de 2023, quando algumas vacinas já estavam vencidas e a cobertura vacinal completa era baixa devido à falta de conscientização sobre a necessidade da segunda dose”, diz.
Para a infectologista, a ausência de campanhas de conscientização e vacinação direcionadas à população LGBTQIA+ também fez falta, junto com a necessidade de estratégias mais comunitárias e adequadas às realidades locais de cada estado.
“Esse medo de criar estigmas nos impediu de discutir abertamente e desenvolver políticas públicas baseadas em dados concretos, reconhecendo que a população de HSH é a mais afetada”, destaca.
Ao g1, a secretária de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, defendeu que, após o envio das vacinas para os estados, a pasta não tem como mais manter um controle direto sobre as doses.
“A nossa responsabilidade no Programa Nacional de Imunizações (PNI) se limita ao envio e às orientações técnicas sobre o uso e armazenamento das vacinas, como a necessidade de descongelamento”, afirma.
Ela explica que essas orientações são fornecidas aos programas estaduais de imunização e embora os sistemas de informação da pasta federal registrem as doses enviadas, o monitoramento após a chegada nos estados é limitado.
Médicos infectologistas ouvidos pelo g1, no entanto, apontam para outro problema. Em alguns casos, mesmo sendo parte do público-alvo definido, alguns pacientes não conseguiram se vacinar.
“A logística para alcançar as pessoas elegíveis e a falta de uma campanha de comunicação clara dificultaram a ampliação da cobertura vacinal”, diz Álvaro Costa, infectologista do Hospital das Clínicas da USP.
“A decisão de ampliar a vacinação para incluir os usuários de PrEP, por exemplo, ocorreu tarde demais, quando o estoque de vacinas já estava praticamente esgotado. E as pessoas não têm o dia todo para ficar procurando postos que ainda tenham doses disponíveis”, acrescenta
Aliado a isso, Costa destaca que um grande problema atual (e na época) é a significativa dependência global em relação à Bavarian Nordic, a principal produtora mundial da vacina contra a mpox.
Ele explica que essa concentração dificulta o controle do surto não só na África, onde o vírus continua a se espalhar agora com um novo clado mais preocupante, como também torna ainda mais difícil para outros países obterem doses suficientes do imunizante para conter a doença.
“O preço das doses é um problema significativo. A dependência da Bavarian Nordic coloca uma pressão enorme sobre países que precisam da vacina, e o custo elevado limita ainda mais a capacidade de resposta”, destaca.
Um exemplo disso é que, somente agora, a Nigéria se tornou o primeiro país africano a receber vacinas contra a doença fora de ensaios clínicos. A Organização Mundial da Saúde (OMS), no entanto, já afirmou que está trabalhando para ampliar o acesso ao imunizante (avaliado em 100 doláres por dose) e fortalecer uma resposta mais adequada à epidemia.
Novas doses
Em uma entrevista ao g1, a secretária de Vigilância em Saúde afirmou que novas doses do imunizante contra a mpox são esperadas “em breve”.
Segundo ela, as negociações para a aquisição da vacina da Bavarian Nordic – a mesma enviada aos estados em 2023 – já estavam em andamento antes mesmo do decreto de emergência da OMS, que definiu o mais alto nível de alerta para a doença.
“Não posso fornecer uma data exata para a chegada das doses, uma vez que isso não depende mais do Ministério da Saúde. Mas a fase mais complexa, que envolveu a obtenção da autorização especial para a importação da vacina, já foi concluída”, afirmou a secretária.
“A expectativa é de que as doses sejam recebidas em breve, embora isso ainda dependa do Fundo Rotatório da OPAS”, acrescentou.
A OPAS é a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o seu Fundo Rotatório é um mecanismo de cooperação técnica destinado a facilitar o acesso dos países das Américas a medicamentos que incluem vacinas, seringas, equipamentos e outros insumos.
Ao g1, a a agência internacional disse que, no momento, está em negociação junto à Bavarian Nordic para a compra de 25 mil doses de vacina. Já a Bavarian Nordic disse que não pode comentar sobre as negociações em andamento (veja a íntegra das notas ao final do texto).
“O acordo foi fechado; agora, restam apenas os detalhes finais e o envio”, completou Ethel.
Ainda segundo a secretária, após a chegada e o embarque das doses, será realizada uma reunião do Comitê Técnico Assessor de Imunizações (CTAI) do ministério, seguindo a orientação da ministra da Saúde, para avaliar se a estratégia de vacinação precisa ser ajustada com base na situação global.
“A partir da discussão dentro da nossa câmara técnica a gente vai ver se a estratégia tem que ser repensada, também avaliando o que tá acontecendo em outras partes do mundo”, pontuou a secretária.
Contudo, para Rico Vasconcelos, médico infectologista do Hospital das Clínicas da USP e do Núcleo de Medicina Afetiva (NuMA), embora a adição dessas doses seja positiva, o número ainda é considerado insuficiente considerando o surto contínuo da doença desde 2022 e o número de pessoas que precisariam ser vacinadas.
“No Brasil, com cerca de 1 milhão de pessoas vivendo com HIV e 100 mil em uso de PrEP, 25 mil doses cobrem apenas uma pequena parte das necessidades”, avalia.
Veja as notas na íntegra:
- OPAS
A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) está em contato com o Ministério da Saúde do Brasil para a aquisição de vacinas contra mpox via Fundo Rotatório da OPAS, que é um mecanismo de cooperação técnica destinado a facilitar o acesso dos países das Américas a imunobiológicos, seringas, equipamentos e insumos correlatos de saúde de alta qualidade.
No momento, a OPAS está em negociação junto ao fornecedor Bavarian Nordic para a compra de 25 mil doses de vacina.
Tendo em vista a limitada quantidade de vacinas disponíveis atualmente no mundo, a prioridade neste momento é utilizá-las nas situações em que haja o maior impacto em saúde pública, bem como focar na vigilância, comunicação de risco, engajamento comunitário, rastreamento de contatos e outras medidas de saúde pública destinadas a prevenir a propagação do vírus causador dessa doença.
- Bavarian Nordic
Não podemos comentar sobre negociações em andamento com partes específicas, mas informaremos o mercado se e quando acordos significativos forem firmados. Desde 2022, temos um acordo com a OPAS, que permite o acesso à nossa vacina para seus estados membros.
Como divulgado, anunciamos uma capacidade de produção adicional em nossas instalações, permitindo a fabricação de até 10 milhões de doses da vacina até 2025. Embora não possamos prever a demanda, nenhum pedido foi feito até o momento que impacta essa capacidade.
Fonte: G1