Sistema de plantio direto é uma das práticas consideradas mais sustentáveis — Foto: Fundação ABC

As mudanças climáticas já estão entre os principais fatores que levam produtores a adotarem uma agropecuária mais sustentável. É o que aponta um dos autores de um estudo recém-publicado por pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), na revista Journal of Cleaner Production, dos Estados Unidos.

O autor do estudo, que também está vinculado ao Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCARBON) e Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), da USP, revela que 60% das áreas de pastagem do país estão em algum grau de degradação, mas que o país tem potencial para recuperá-las por meio de práticas de uma produção mais sustentável.

Em entrevista ao portal g1, Maurício Roberto Cherubin, professor do Departamento de Ciência do Solo da Esalq e vice-diretor do CCARBON, explicou como essas práticas tornam a agropecuária mais resistente a eventos extremos e geram maior retorno financeiro ao produtor.

Ele também alertou que a quantidade de dados sobre emissões de gases do efeito estufa é baixa no Brasil e é necessário maior investimento nesses estudos.

Qual é a importância da publicação na Journal of Cleaner Production?

Cherubin explica que o estudo sintetiza o conhecimento existente, até o momento, em relação a emissão de gases de efeito estufa no sistema agropecuário.

“Nós temos uma série de sistemas agrícolas e pecuários ou agropecuários que podem, desde que adotadas práticas de manejo, serem sistemas mais sustentáveis ou que impactem menos em termos de impactos ambientais mesmo. E podem ser de fato algo benéfico inclusive na mitigação das mudanças climáticas”, explica.

 

O professor acrescenta que a publicação compila dados que são úteis para uma série de ações.

“Inclusive para o próprio governo utilizar nos inventários nacionais de gases do efeito estufa. São úteis para empresas ou o setor privado utilizar em projetos de carbono, são úteis para outras pesquisas, são úteis para investimentos, para que promovam a adoção de práticas de manejo na agropecuária que impactem menos o meio ambiente”.

Qual é o potencial do Brasil para mitigação desses gases?

Segundo o pesquisador, o Brasil já é um país internacionalmente reconhecido como referência no uso de práticas mais sustentáveis na agropecuário, que também são chamadas de conservacionistas.

“Nós temos uma área de plantio direto que supera 35 milhões de hectares. Isso é basicamente o tamanho da Alemanha em território. A evolução dessa área de plantio direto em sistema ainda mais conservacionistas é a integração de pecuária e eventualmente floresta. E aí o Brasil também é protagonista. O país já tem cerca de 17 milhões de hectares com algum sistema conservacionista, o que representa cerca de cinco vezes o tamanho da Bélgica”.

Para ele, o país ainda tem um “potencial enorme” para expandir essas práticas. Um dos dados que ele cita é que os 35 hectares em plantio direto estão incluídos em um território de quase 80 milhões de hectares de plantações.

“Então, nós temos metade da área ainda para evoluir com o uso dessas práticas em agricultura. E particularmente em pecuária, em pastagem, hoje, estima-se que nós temos cerca de 60% das áreas de pastagem do país que estão em algum grau de degradação. Isso dá 110 milhões de hectares. Assim, o país tem uma oportunidade enorme de recuperar essas pastagens. E essas áreas, então, se tornarem drenos de carbono, sequestrar carbono e reduzir emissões”.

O efeito estufa está ligado à emissão de dióxido de carbono (CO₂), metano (CH₄) e óxido nitroso (N₂O). Cherubin explica que mudar de uma pastagem degradada para um sistema integrado (mais sustentável) reduz a emissão óxido nitroso, numa faixa de mais ou menos 1 ,6 quilo por hectare por ano. “Essa mudança de manejo também tem um efeito positivo sobre a emissão de metano”, pontua.

O produtor vê benefícios a ponto de adotar essas práticas?

“Eu sou bastante otimista nesse ponto. Eu tenho circulado por vários lugares do país e estou sentindo uma grande receptividade pelos produtores, consultores, técnicos da iniciativa privada. Antigamente, havia uma certa repulsão ao assunto mudanças climáticas. Hoje, estou sentindo uma ótima receptividade para escutar, para pensar sobre o assunto, e principalmente eu vejo um cenário muito positivo para os produtores adotarem as práticas”, aponta o professor.

Ele cita dois motivos pelos quais isso tem ocorrido:

“O primeiro motivo é que utilizar essas práticas faz com que o produtor produza mais e tenha mais renda. Há uma série de iniciativas no país, públicas e também privadas, fomentando o uso das práticas para produzir mais, produzir melhor, rentabilizar em cima disso. E a redução das emissões dos gases do efeito estufa e o sequestro de carbono, principalmente no solo, são consequências desse processo”, detalha.

O segundo motivo, segundo o pesquisador, são os efeitos das mudanças climáticas. Ele cita uma série de exemplos recentes, como as inundações no Sul, comprometimento da safra da soja no Mato Grosso pela falta de chuva, uma das maiores estiagens no bioma amazônico ano passado, além do registro do ano mais quente da história em 2023.

“Nós estamos vendo no país inteiro exemplos muito claros e inequívocos de que o clima está mudando e mudando muito rápido […] Todos esses aspectos, e considerando que a agropecuária é um dos setores mais vulneráveis a essas mudanças climáticas, tem feito o produtor repensar. Tornar o sistema de produção dele mais resiliente a esses eventos extremos”, afirma.

 

Por outro lado, o professor alerta que se não forem adotadas práticas de manejo como essas, que garantem maior resistência e resiliência do sistema de produção a secas e período de chuva mais intenso, a perspectiva é de que haverá “muita dificuldade de continuar fazendo agricultura como nós fazemos hoje”.

Qual é a importância de investir mais em medições e estudos?

Cherubin aponta que, durante a revisão de estudos, foi possível perceber que há “uma lacuna muito grande de dados no Brasil”.

“Tem regiões que têm muito pouco dado, dados muito incipientes ainda. Na região do semiárido, praticamente não tem informações. O Cerrado, por toda a relevância que tem, tem poucos dados. No Pampa brasileiro, que pega o estado do Rio Grande do Sul, tem uma enorme importância em termos de biodiversidade, mas tem poucos dados. A própria Amazônia tem alguns dados na borda da Amazônia com o Cerrado, mas ainda há uma carência de informações muito grande”, exemplifica.

 

Ele alerta para a necessidade de investimento público no fomento à pesquisa nesse assunto.

“Se nós não tivermos os dados, a gente não consegue prever qual é o impacto de uma prática adotada. O governo tem dificuldade para assumir um compromisso de redução das emissões porque não sabe se ele vai conseguir cumprir ou não. Uma empresa não tem segurança de propor um projeto de crédito de carbono, porque não sabe quanto que aquela prática de manejo contribui ou não contribui”, exemplifica.

O professor relata que participou da criação do CCARBON, que é um Centro de Estudos de Carbono e Agricultura Tropical da USP voltado exatamente para este tipo de estudos, localizado na Esalq, em Piracicaba, com financiamento da Fapesp e iniciativa privada.

“Nós estamos muito envolvidos para fazer essas pesquisas, essas medições, essas extrapolações e ajudar o país a melhorar a sua imagem internacionalmente, e também contribuir, de fato, para melhoria ou atenuação dessas crises que são globais, como aquecimento global, como a insegurança alimentar”, finaliza.

Fonte: G1

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