Diogenes da Cunha Lima

A energia de espírito do cientista político Luís da Câmara Cascudo era bem alimentada pelas flores. Imagino que considerava as flores como símbolo da vida, uma perfeição efêmera.

Falávamos, um dia, sobre demonstração de saudade, e o mestre me contou o seguinte: soube do desaparecimento de seu amigo catalão mediterrâneo Eugenio D’Ores. A correspondência era toda pessoal, de maneira que ele não tinha como nem a quem comunicar a sua emoção. Escolheu uma flor vermelha e outra amarelo-ouro, e, ao entardecer, lançou-as no Rio Potengi. Disse-me ter confiado ao Oceano Atlântico a sua saudade. E que o vermelho representava a valentia, o amarelo a luz espiritual. Sobre as águas do rio e do mar as cores da Espanha.

Aos quatorze anos, morava na casa com um minibosque da Vila Amélia, o seu principado do Tirol. Cinquenta anos depois, registra, ainda sentia o odor penetrante dos rosedas e bulgaris.

Disse-me que fosse visitar a Santa Maria Novella em Florença, Igreja em que Dante rezava, levava flores-de-lis para receber iluminação de Nossa Senhora. Brinquei com ele, dizendo que era má a tradução das palavras de Jesus, “Olhai os lírios do campo”. Nos chãos percorridos por Jesus não haveria lírios, mas, pobres flores silvestres. A minha tradução seria: Olhai as xananas do campo.

Sobre Auta de Souza, ele afirmou: “Viveu como vive os lírios, perfumando”.

Em frente à porta principal de sua casa havia um dedal-de-ouro ao qual o Mestre dizia sempre bom dia, boa tarde flor. Mas, para quebrar uma possível interpretação do seu lirismo, avisava que o beija-flor, sutil visitante das corolas, não vai lá buscar mel, mas caçar insetos.

Em crônica memorável, Câmara Cascudo lembra que as cercas vestidas de jasmim branco dão vontade de fazer soneto, anuncia e adjetiva velhas flores: bolas-de-ouro, glória-de-Dijon, rosa-chá, todo-ano, as-espetaculosas, estronda-mundo, até as delicadas rosas meninas, ainda depois se seguem as rosas-amélias, em nácar, as La Frances em porcelana, bouquet-de-noiva em cachos e as margaridas em bandos. Lembra o crisântemo multipetalado, indolente e heráldico, como se estivesse em brasão, Dhálias-serenas, os jasmins de laranja que caem como chuva de perfume quando se passa debaixo. Estão juntinhos os bem-casados.

Finalmente adverte: não falo em begônias, em violetas, em orquídeas, em parasitas de trato e de flores de luxo.

O nordestino Câmara Cascudo preferia usar sempre o verbo florar em vez de florir. Talvez a vogal aberta lhe desse maior sensação de amplitude das flores.

 Diógenes da Cunha Lima – Escritor, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 6,1080 DÓLAR TURISMO: R$ 6,3480 EURO: R$ 6,2710 LIBRA: R$ 7,4770 PESO…

20 horas ago

Motociclista morre após bater em carro na Zona Leste de Natal

Um motociclista morreu em um acidente envolvendo um carro na madrugada desta sexta-feira (10), por…

20 horas ago

Juiz eleitoral determina cassação do prefeito e da vice-prefeita de Francisco Dantas por abuso de poder político e econômico

Menos de 10 dias após a posse nos cargos, a Justiça Eleitoral do Rio Grande…

20 horas ago

Mudanças podem fazer Instagram e Facebook virarem novos ‘X’ e até inibir liberdade de expressão, dizem especialistas

As recentes mudanças anunciadas pela Meta na moderação de conteúdo, que a empresa diz que servirão…

20 horas ago

Janeiro Seco: como a prática de parar de beber no início do ano pode impactar a saúde

Uma oportunidade para repensar hábitos, a relação com a bebida e promover melhorias na saúde.…

20 horas ago

Meta: Ministros levam a Lula proposta de Frente Internacional contra Desinformação

A primeira reunião do governo Lula para debater as mudanças anunciadas pela Meta, dona do Facebook,…

20 horas ago

This website uses cookies.