Uma idosa de 64 anos de idade, que preferiu não se identificar e que aguarda uma cirurgia de vesícula pela rede pública desde 2017, denunciou, em uma audiência pública em Parnamirim, que recebeu da Central de Regulação do município a informação de que ela já havia feito o procedimento.
Segundo a central disse à paciente, o número do cartão SUS dela foi usado, o que a fez sair da fila, mesmo sem ter feito efetivamente a cirurgia.
A Secretaria de Saúde do município foi questionada sobre o problema, mas não respondeu à demanda.
A denúncia foi feita a parlamentares em uma audiência pública realizada na manhã desta segunda-feira (26) na Câmara Municipal de Parnamirim, que apontou que o município tem 1.668 pacientes a espera de cirurgias eletivas atualmente.
O levantamento aponta que são 645 para cirurgias gerais, 565 para cirurgias ginecológicas e 449 de casos diversos.
A paciente contou que quando chegou à Central de Regulação, recebeu como resposta: “A senhora já faz a cirurgia”. E desde então, a idosa busca provar que não realizou o procedimento.
“Quando eu fui atrás, para a maior surpresa, tinha alguém que tinha feito no meu lugar a cirurgia, com o meu SUS. E me disseram que eu teria que provar que não tinha feito a cirurgia”, lamentou ela em conversa com a reportagem da Inter TV Cabugi.
“Fiz um ultra abdominal provando que minha vesícula estava quase 6 cm e tendo crise direto. E foi quando eu retornei à Defensoria e eles solicitaram que eu procurasse um declaração na central para eu dar entrada no processo. Eles [da central] falaram que não podiam dar, negaram”.
Diante da situação, ela precisou colocar novamente o nome na fila de espera para a cirurgia.
Mais pacientes aguardam cirurgias
Presentes na audiência, alguns pacientes que estão na fila reclamaram da falta de transparência e de problemas que tem ocorrido durante o processo.
Quem também aguarda uma cirurgia na vesícula é a dona de casa Inês Gomes. Por problemas de saúde no órgão, ela perdeu uma irmã e o pai. E por isso corre atrás para que consiga realizar o procedimento o quanto antes.
“Quando meu pai morreu, em 2021, eu comecei a me priorizar e até agora nada. Vai fazer três anos já. Só dizem que é para ficar na fila de espera. Disseram em fevereiro que ia sair em maio, fiz até exame particular. Nem poder pagar, eu podia, pra agilizar, mas fiz. E até agora nada”, disse.
Inês lamenta ainda a falta de comunicação com os pacientes para informar posição nas filas ou previsão de quando acontecerá a cirurgia, ou até mesmo os motivos de não realizarem naquele momento.
“Ninguém fala nada, só dizem que eu estou na fila de espera. Foi muitas idas e voltas já. Me botam pra lá, pro postinho de saúde, até pra Natal já me botaram, no Onofre Lopes. A gente se sente fragilizada, não pode fazer nada. A gente fica esperando a hora chegar, a morte, porque ninguém faz nada por nós”, disse.
A agente de endemia Sandra Venceslau espera desde 2020 para realizar a retirada do útero. “Foi quando fui diagnosticada [com miomas no útero] e os médicos diseram que só a cirurgia resolveria, mas no pico de pandemia seria impossível ir pro centro cirurgico”, conta.
Desde então, o tratamento é paliativo, com medicamentos. Neste ano, no entanto, ela teve uma piora, que culminou com uma hemorragia. “Eu não tive como controlar. Fiz um procedimento chamado curetagem diagnóstica terapêutica, que é um paliativo também. Mas a solução é a histerectomia total. Dei entrada cinco ou seis vezes na maternidade e o tratamento é o mesmo”, lamenta.
“Meu útero dobrou de volume, o mioma triplicou. E a gente precisa tirar esse útero. Eu não estou mais em idade fértil, não tenho problema em tirar meu útero, já tive meus filhos”
Ela diz que quando consultou a posição na fila anos atrás, estava atrás de 291 mulheres e que, atualmente, esse número subiu para mais de 500.
“Aumentou a fila e eu não sei qual a minha vez. Isso é angustiante. A gente se sente negligenciada, sem perspectiva, perde qualidade de vida, vida social não tenho mais. Eu tenho que fica em casa em repouso, porque qualquer extravagãncia eu sinto dores, posso sangrar. Então minha vida está limitadíssima”.
Sobre os casos relatados, a Secretaria de Saúde de Parnamirim foi questionada, mas não deu respostas.
Audiência pública
Nenhuma representante da prefeitura de Parnamirim compareceu à audiência pública, que foi proposta pela vereadora Rhalessa de Clênio (PTB).
“A secretária [de saúde] me informou que está participando de outra audiência e não pôde. Só que vale salientar que a Secretaria Municipal de Saúde tem uma secretária e dois adjuntos. Então são justificativas que buscamos também entender, porém não se justifica o injustificável”, disse a parlamentar.
Outro ponto apontado pela vereadora é sobre a transparência da fila para os pacientes. “Buscamos enteder muitas coisas que precisam ser esclarecidas para a população: a fila reprimida, o contrato de locação [da secretaria de regulação], como está a transparência da fila para que possa acompanhar a colocação, já que hoje não existe esse acompanhamento”, disse.
A parlamentar disse que vai marcar um novo momento na Câmara em que pretende contar com a presença de representantes da secretaria de saúde e da maternidade pública Divino Amor “para que elas possam nos esclarecer muitas dúvidas que ficaram abertas aqui nessa audiencia pública”.
A Secretaria de Saúde informou que a secretária Luciana Guimarães da Cunha recebeu a vereadora Rhalessa de Clênio, propositora da audiência, na sexta-feira passada, quando trataram sobre o setor de regulação. Segundo a pasta, a questão das cirurgias eletivas foram tratadas nessa reunião.
Operação fura-fila
O problema na fila do SUS em Parnamirim é investigado pelo Ministério Público há pelo menos três anos. Em 2021, o então vereador Diogo Rodrigues (PSD) chegou a ser preso por alterar a ordem das pessos à espera de cirurgias.
Na semana passada, ele teve o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foi condenado pela Justiça do RN, na Operação Fura-fila, por compra de votos, abuso de poder econômico e abuso de poder político.
De acordo com a Justiça Eleitoral, na época em que Diogo foi diretor da Central de Regulação, ele fraudou o SUS para favorecer algumas pessoas, com marcação de consultas e procedimentos eletivos em troca de apoio político.
Fonte: G1RN