NA UNIVERSIDADE ONDE ESTUDEI –
Cursei Engenharia Civil numa universidade pública, a UFRN, nos primórdios de sua federalização, em 1960. Antes dessa década, os profissionais da área em questão existentes no Estado provinham das universidades de Recife, Salvador ou Belém. Razão de eu entender a UFRN como o maior patrimônio cultural imaterial do Rio Grande do Norte, se assim pudermos qualificar a nossa principal instituição de ensino superior.
Venho de uma família de classe média. Meus pais, conscientes da apertada condição financeira que possuíam, nunca se permitiram gastar um centavo além de suas posses, porém, acalentavam o propósito de deixar como herança para os filhos uma educação de qualidade. E como se esforçaram nesse objetivo! Nós, os seis irmãos, fomos testemunhas incontestes da determinação de ambos. Seu Manoel e dona Laura partiram desta vida com o sonho realizado.
Ao alcançar a maioridade eu estava seguro da profissão que almejava abraçar. Nem pensar em estudar fora do Estado como fizeram amigos meus, filhos de pais abastados, seguindo a alternativa oferecida na época. Minha chance estava na UFRN. Os primeiros cinco vestibulares me deram a exata noção do grau de dificuldade que teria de enfrentar para ingressar na faculdade de Engenharia.
Na primeira tentativa eu falhei, mas, com a bagagem acumulada passei no vestibular para Economia e no concurso para o Banco do Brasil – o emprego que todo jovem de minha geração almejava. Quis derivar minha vida para essas opções como solução imediata, mas, ao sentir a frustração do meu pai, recuei.
Ao abrir mão da vaga no banco fui tachado de alienado porque descartara a maior chance da vida para um futuro confortável e seguro. Voltei-me para o estudo com ânimo renovado. Estudei com afinco, dias e noites, durante um ano. Perdi a conta das horas de sono dedicadas aos livros, varando madrugadas. Um pequeno emprego de datilógrafo permitiu-me pagar as aulas preparatórias para o desafio maior.
Aprovado no vestibular, a maratona de aprendizado seguiu com rigor, igual ou maior, ao longo dos cinco anos do curso. Na universidade pública onde estudei não existia a obrigação de dar diplomas aos aprovados no vestibular; obter-se tal registro dependia do mérito e do conhecimento de cada aluno. Não se falava em cotas sociais para pretos, pardos ou indígenas. Alunos não reclamavam da carga excessiva de trabalho exigida nas salas de aula e, ninguém, propunha ou escolhia o que estudar.
Na universidade pública onde estudei não se rompia hierarquias, tampouco se falava em lutas por democratização da instituição contra as estruturas do poder. Desconhecíamos o significado de ensino superior progressista ou igualitário, porque não tínhamos oportunidade para tais questionamentos no curto espaço de tempo livre de que dispúnhamos.
Não existiam denúncias de racismo, homofobia ou fascismo na universidade pública onde estudei. Nela vi alunos brancos, filhos de pais ricos, serem reprovados por não se enquadrarem ao rigor do ensino; também exultei observando pretos, pobres, sendo laureados pelo esforço e dedicação ao estudo.
Divisávamos, na universidade pública onde estudei, tão somente, um centro do saber; não um clube ou central política ou ideológica, porque se desenvolvia ali um trabalho árduo e ininterrupto, com alunos e professores engajados em objetivos maiores: ao estudante, estudar e aprender; ao professor, ensinar e motivar os pupilos.
Essa universidade pública na qual estudei não formou profissionais desqualificados ou frustrados pelo volume de esforço ou dedicação exigidos. Não deixou ressentimentos pelas possíveis injustiças praticadas pelos docentes nem máculas que o tempo não apagasse.
Pode até parecer piegas este depoimento, pouco importa o julgamento, porquanto é verdadeiro: quando me via angustiado diante da carga de cobranças na universidade pública na qual estudei, eu procurava incentivo na primeira estrofe do poema Canção do Tamoio, do maranhense Gonçalves Dias:
Não chores, meu filho;
Não chores que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que aos fracos abate,
Que aos fortes, aos bravos
Só pode exaltar.
Sobrevivi e enfrentaria tudo outra vez, se necessário fosse.
José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor