NÃO CHEIRE A ROLHA DO VINHO – Carlos Alberto Josuá Costa

NÃO CHEIRE A ROLHA DO VINHO –

Quando a mensagem de voz chegou não dei atenção. Não demorou muito e a insistência me fez ficar atento. Pressupus que era brincadeira, mas pela entonação da voz e pelo pano de fundo de conversas outras, conclui que era oriunda de um ambiente festivo. Não identifiquei o remetente. Apenas o número era visível, pelo qual não fiz nenhum vínculo com alguém conhecido.

Sim, mas o que dizia essa mensagem?

“- Amigo preciso de sua ajuda. Estou num restaurante com minha namorada e resolvemos pedir um vinho. Escolhemos um tinto que “cabia” no nosso bolso e, ao ser aberto, o garçom me entregou a rolha e ficou esperando que eu cheirasse. E agora?”.

Digitei em caixa alta: NÃO CHEIRE A ROLHA DO VINHO, e enviei.

Esperava alguma contrarresposta, mas não aconteceu.

Vamos então esclarecer detalhadamente:

À medida que o vinho foi sendo apreciado por um grande número de consumidores no mundo inteiro, também foi impulsionada a produção deles para atender essa demanda. Isso concorreu para que os processos também fossem melhorados e, consequentemente mais vinhos chegassem às prateleiras dos pontos de venda comerciais e das lojas especializadas.

Sim, e aí?

Daí foi se estabelecendo ritos e rituais que deram ao ato da degustação um charme – necessário, atraindo para seu entorno, a beleza e a nobreza de saborear nas diversas ocasiões, o néctar dos deuses, associando todo o requinte que o vinho merece, pelo que conquistou.

Neste momento quero me reportar aos processos de vedação que são utilizados atualmente e, qual o seu papel na produção e no ato da degustação.

Não resta dúvida que a rolha do vinho é importante e motivo de todo o frisson que ela causa, como no caso do interlocutor da mensagem, que parecia estar em apuros.

Quando se fala de vedação de garrafa de vinho, logo lembramos a rolha de cortiça, chamada comumente de rolha natural. Nos primórdios da produção dos vinhos – Antigo Egito e Grécia, o vinho era acondicionado em ânforas vedadas com cortiça e barro ou resina. Em meados do século XVII é que a rolha de cortiça começou a se tornar o método oficial de vedação do vinho.

Além da vedação, a rolha de cortiça tem a função de preservar as características e qualidade do vinho por mais tempo. Mas, hoje, sua importância está centrada, sobretudo para os vinhos envelhecidos, ou como chamamos para os vinhos de guarda.

De onde vem a rolha?

Da casca do Carvalho, ou Sobreiro, abundante no Mediterrâneo, com destaque na região do Alentejo, em Portugal.  Existem regras de extração da casca, de modo a preservar a árvore e limitar o seu uso de forma desnecessária. Afinal, o Carvalho precisa de pelo menos 25 anos de idade para atingir o ponto de “descasca” que ocorre a cada oito anos. Nem toda casca é utilizada para fabricação de rolhas (80%); dos seus resíduos, outros produtos são produzidos e colocados no mercado, tais como mantas e artefatos afins.

A rolha de cortiça natural, passou a ser utilizadas para os vinhos especiais, que passam mais tempo em barricas de carvalho ou ainda em estágio de maturação na própria garrafa, onde a micro oxigenação contribui para a melhora de sua qualidade.

Com a comercialização do vinho em larga escala, dois fatores surgiram: vinhos para consumo logo após sua produção (vinhos jovens), assim como novas alternativas de vedação – rolhas sintéticas e, metálica de roscas (screw caps).

Esse tipo de rolha – screw caps – é significativamente mais ecológico, pois não correm o risco de serem contaminadas por fungos e são mais fáceis de serem reutilizadas do que as rolhas de cortiça.

Em resumo: as tampas de rosca ou as de rolhas sintéticas são mais utilizadas nos vinhos brancos, rosé e tintos jovens. E as de cortiça natural, para os tintos envelhecidos e espumantes.

Certamente você já percebeu que nem sempre é necessário cheirar a rolha. Até porque não ficaria legal você cheirando uma rolha sintética e sem saber o que fazer com a de rosca metálica.

Assim, não passe apuros com um vinho jovem (produzido para ser consumido num tempo curto, ou em torno de até cinco anos da data constante no rótulo).

Mesmo com essas considerações, ainda são encontrados vinhos com rolhas de cortiças e, assim sendo, basta verificar o quanto de vinho tem penetrado nos poros e de sua coloração (clara ou escura), o que dará uma breve ideia de leveza ou de tempo que está à espera de ser degustado. Se você notar a presença de fungos, ou pontos brancos, chame o sommelier e peça para ele verificar.

Nos vinhos de guarda, de qualidade (terroir, safra diferenciada, técnica, envelhecimento em barris de carvalho, controle, enólogos experientes), esses sim, a rolha deve ser de cortiça natural, por participar também da melhora qualitativa do vinho.

Mas, como diz meu amigo Ricardo Azevedo, “num se aperreie não”. Deguste seu vinho preferido, que é exatamente aquele que, naquele momento, lhe traz maior e melhor satisfação.

Mas, se quiser cheirar a rolha…

Eu mesmo não.

 

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil e Membro da Academia Macaibense de Letras (josuacosta@uol.com.br)

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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  • Como sempre!!! Muitos bons os artigos de Josuá.
    Josuá nos passa informações de maneira leve e agradável de ler cada parágrafo. É como tomar um bom vinho na companhia do mesmo ;)

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