NÃO ESPERE FLORES DE MIM… –
Estava eu, sentada em minha cadeira, de frente para meu computador, tentando consolidar algumas ideias. Talvez conseguisse escrever a crônica da semana seguinte, afinal, esse era o meu objetivo, já que estaria assoberbada de trabalho no próximo final de semana. Pensei em ganhar tempo, já que dispunha de um pequeno espaço entre estar acordada e a chegada do sono que iria me por nos braços de Hipnos. A lua, naquele instante, já havia ido passear por outras janelas, portanto, só os pensamentos e as lembranças me faziam companhia.
Tentei me concentrar em apenas um tema para compor minha escrita, porém não estava sendo fácil, o bombardeio de ideias me deixava meio atordoada e a única vontade que eu tinha era o de aumentar o volume da música, que me servia de fundo e inspiração, e sair, com essa estripulia toda, dançando pelo quarto. Vontade não me faltou, mas relutei.
Consciente de que precisava vencer a minha inércia literária e ir buscar histórias para contar, eu passei a me concentrar nas muitas coisas havia para se contar: desde os últimos acontecimentos políticos no país, passando pela pandemia que continua nos assolando, até os casos de amores em suas mais variadas nuances, no entanto, a vontade de curtir o ócio me possuía.
O último final de semana havia sido de muitas emoções no “movimento sexy” das minhas lembranças… Lembrei, também, de uma frase dita mais cedo, por uma colega de trabalho, numa conversa informal com outras colegas que estavam ao nosso redor, isso tudo, em um diálogo inusitado para o momento de labuta:
…então, eu disse a Edmilson que quando eu morrer ele nem inventasse de fazer cota para comprar uma coroa de flores. Que ele tivesse a decência, no mínimo, a dignidade de compra, pelo menos, de um buquê de flores, mas, que a atitude fosse vista como uma representação sentimental individual.
Não sei por cargas d’aguas todas olharam para mim ao término da frase. (Eu) como quem se sente na obrigação de responder, numa pressão social de interação, respondi sem pensar, apenas com a convicção que desde sempre me acompanhou:
— Não espere que eu lhe dê flores, ou que eu as envie… – disse lembrando do destino implacável das coroas, buquês, botões, arranjos e tantos outros adornos feitos com as pobres flores.
Eu não tinha nada contra elas, no caso, as flores; nunca foi contra elas o meu posicionamento, pelo contrário, eu apenas me compadecia em ver suas mortes lentas, murchando entre as folhas de plásticos transparentes dos buquês, entre a madeira e os musgos usados para fixar com grampos as flores das coroas, dos vasos cheios de água, misturadas a produtos alternativos, que pudessem prolongar o tempo de “vida” das flores… das pobres flores.
Não quero flores em buquês, ou vasos. Não me mandem coroas no meu velório. Aceito mudas, pequenos jarros de plantas e/ou flores, aceito cultivar o carinho, o agradecimento, as desculpas, as declarações de amor, os desejos de felicidades e congratulações. Aceito cultivar lembranças a cada vez que eu regar com água e carinho os vasinhos de mudas que ganhar. Que elas, as flores, possam embelezar jardins, fechar seus ciclos, sem que as matemos.
Ao contrário do que a maioria sente ao receber flores (alegria), eu sinto uma profunda tristeza por vê-las falecer lentamente, numa morte dolorosa. Na verdade, eu me sinto impotente diante do egoísmo das pessoas que matam as flores em detrimento da felicidade de quem as recebe.
Os olhares inquisidores das minhas colegas estavam claros diante dos boticões de espanto que estampavam suas faces. Argumentei. Não sei se ainda terão o mesmo olhar diante de um buquê de flores. Penso que tirei o encanto e a ilusão quando disse que buquês são flores mortas e que flores mortas são tristes.
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro “As esquinas da minha existência”, [email protected]