NÃO MAIS QUE DE REPENTE, O VERÃO –

Lendo Chico Xavier, que orava a Deus para não perder o romantismo, mesmo sabendo que as rosas não falam, refleti sobre o verão que chegará breve, trazendo com ele os cajus, as acácias e os pau-d’arcos amarelos. Lembrei-me também de rever as crônicas sobre o tema escritas com brilho superior por Newton Navarro, Berilo Wanderley, Sanderson Negreiros, Diógenes da Cunha Lima, Luís Carlos Guimarães e Vicente Serejo. Todos, poetas e românticos que ao longo de suas vidas entenderam que a grandeza não consiste em receber elogios, mas em merecê-los por escreverem tão maravilhosamente.

A minha crônica não tem a beleza inaugural de uma manhã de ressurreição, da oração de uma criança, de uma prece de D. Heitor, de uma tarde contemplativa de uma janelinha aberta sobre a imensidão dos campos ou de uma doce e suave madrugada, deusa de todos os poetas. Ela tem o toque metálico do clarim do sentinela; o aviso do anunciante das manhãs e das noites e seus mistérios; do bom dia, boa noite, do guarda noturno e diurno das praças e jardins de Natal (se é que ainda existem); do sinal digitado do faroleiro pastorador de estrelas e de mares; tudo para saudar o advento das acácias, dos cajus, dos pau-d’arcos e de que a cidade se cobrirá, não mais do que de repente, de amarelo ouro.

Ano que vem, a política chegará e passará, juntamente com os seus gladiadores. Iremos remover, depois, os horríveis outdoors, fotos e fatos que sujaram a cidade. Recolheremos as bandeiras da guerra aos seus quartéis de origem e que venham servir de lençóis aos descamisados. É soada a hora de preparar Natal para a chegada triunfal dos cajus, das acácias e das flores dos pau-d’arcos.

Que os homens se desarmem de suas propostas solertes e ganhem as praias, levem os cajus e se bastem com o calor da estação e contemplem o mar aceso em lua do poeta Gilberto Avelino, para que possam entender os pontos cardeais da vida. O verão chegará e dezembro é tempo de sepultar as beligerâncias, as agitações da alma e do coração, como se o ano novo lhe fosse trazer as ilusões de um amor adolescente, o retorno das jovens tardes de domingo ou a nostalgia dos instantes antigos e perdidos de sua profundidade vital.

E que venha de repente o verão, mesmo que traga no ventre o filho incestuoso dos excessos. Deus nos compensará com a mágica contemplação das acácias, dos pau-d’arcos amarelos, róseos, como se multiplicasse o seu talento criador em mil Van Gogh, Rembrandt, Renoir e Picasso. Com o novo ano virão em 2024, mais crises, caos na saúde, violência, distúrbios laterais e colaterais, além da combustão espontânea no pensamento das massas, com os governos que se instalarão. E com eles as transformações genéticas nos seres humanos e desumanos. Ora, se a lua influencia as tendências do zodíaco. Nas longas esperas da estação do verão, com a canícula e o fogo do mundo, além das paixões radicais, a política que virá abrasará mais ainda os loucos e os lisos, vagando a esmo, sem jamais achar abrigo.

Já conclui que o sufrágio universal será a última etapa do dia do juízo. Ninguém joga mais com a ideia. A filosofia do político é o vento. Parte da premissa da honra ser uma palavra e na palavra conter vento. Às vezes, um faz parecer um santo, quando na verdade é o próprio diabo. Alimenta-se de arsênico. Nas crises e nas votações, se dá melhor com o traseiro da noite do que com a fronte da manhã. Daí, a Câmara ser uma fera e para domá-la emprega-se meios obscenos.

 

 

 

Valério Mesquita – Escritor, [email protected]

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