NATAL NÃO MERECE!

Já cansado de tanto visualizar as mesmas imagens caseiras no meu recanto de isolamento compulsório, procurei abrir e ampliar a minha visão para a beleza matinal exterior que a natureza nos presenteia.

São manhãs de sol aberto, clareando um céu azul com nuvens brancas densas e raras; de matas verdes, que se elevam em montes, formando fixas dunas selvagens. É deslumbrante e encantador o cenário visto do alto do meu refúgio no bairro do Tirol.

Olhando a uma  distância maior, se vê o mar, com suas águas azuis que se misturam com um verde esmeralda repousando sob a linha do horizonte infinita.

Abrindo e deslocando mais o olhar para a esquerda, vislumbro a beleza serena do espelho d’água do rio Potengi, de águas mansas e  beleza marinha.

Essa é a nossa querida Natal, cidade do Sol, cidade de Câmara Cascudo, cidade acolhedora; cidade febril; cidade cantada em verso e prosa pelo poeta Othoniel Menezes; cidade que fez de um canguleiro, ex-goleiro do Alecrim F.C., um Presidente da República: João Fernandes Campos Café Filho (Café Filho – 1899-1970).

Revendo e enaltecendo mentalmente essa Natal, resolvi sair do confinamento caseiro em um domingo pela manhã. Peguei o carro e fui com a minha esposa peregrinar um pouco pela cidade, principalmente pelos bairros que historicamente foram seus recantos mais marcantes e mais bem vividos: o bairro da  Ribeira e o Centro da Cidade.

Não diria mais que foi pura surpresa o que constatamos: no Centro, uma penúria: prédios comerciais aos pandarecos, calçadas destruídas, as praças, algumas cercadas e enganadas para infindáveis reformas e outras, só arremedos; a Praça Padre João Maria é de fazer chorar pelo abandono e desprezo em que se encontra. Ocupada por humildes  e desfiguradas barracas corroídas pelos famintos cupins. É triste, é lastimável, é vergonhoso.

A Praça Kennedy, ponto de encontro e de bons papos dos jovens nas décadas de 1960/70, encontra-se ao deus dará: mato alto, muita sujeira e bancos quebrados; até o busto do Presidente desapareceu, ninguém sabe, ninguém viu. Escutei um papo, no Beco da Lama, que tinha gente fazendo uma “vaquinha” para mandar fazer e colocar em seu lugar o do Presidente Donald Trump.

Na velha Ribeira de “guerra”, aí a vaca torce o rabo. Prédios e mais prédios se desmanchando; o famoso e histórico Grande Hotel, palco maior da concentração de autoridades brasileiras e americanas na 2ª Guerra Mundial, é só abandono e destruição; o comércio, o marco forte e robusto no passado, não mais existe;  virou um  bairro  de oficinas mecânicas (nada contra as oficinas); por sinal, somente elas e as casas noturnas têm um bom bônus no IPTU dado pela Prefeitura (Hospitais e Clínicas Médicas, zero vezes zero). Muito lixo amontoado nos canteiros; o Canto do Mangue perdeu a sua originalidade com uma reforma mostrenga que lá fizeram.

Depois de um passeio que pretendíamos e esperávamos ser salutar para melhorar o nosso estado de desânimo, de angústia, de aprisionamento padêmico, retornamos  pior, muito pior ainda, por encontrarmos a cidade que adotamos como berço, a nossa pequena querida Natal, com sua inesquecível e memorável história, sendo destruída, abandonada de forma irresponsável e cruel pela administração do poder público.

Como é triste, Natal, você não merece!

 

 

 

Berilo de Castro – Médico e Escritor,  [email protected]

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