NEM COM UMA FLOR –
Foi-se o tempo em que ouvíamos, pelas ondas sonoras das rádios, os versos abaixo do frevo-canção de Capiba – o poeta do Recife -, “Cala a boca menino”, no Carnaval do Nordeste:
Sempre ouvi dizer que numa mulher
Não se bate nem com uma flor
Loira ou morena, não importa a cor
Não se bate nem com uma flor.
Sim, foi-se esse tempo. Agora, além de lhes bater com violência desmedida, quebram-lhes as costelas, as esganam, cegam-nas, queimam-nas vivas e matam-nas, sejam elas louras, morenas, namoradas, noivas, esposas e mães, como entes abjetos e sem qualquer valor ou serventia, piedade ou amor ao próximo.
Tratamos as mulheres no Brasil com a mesma falta de piedade da Idade Média. Só não as arrastamos pelos cabelos na praça pública para não ficarmos feios na fita, mas o fazemos na intimidade das quatro paredes das casas, das garagens, dos elevadores e onde mais a força da impunidade permitir ou esconder.
Homens ensandecidos acham-se no direito de sacrificarem mulheres por motivos torpes como ciúme, sentimento de posse, traição, abandono ou machismo. Carlos Drummond de Andrade já havia assegurado em As sem-razões do amor:
Amor é primo da morte,
E da morte vencedor,
Por mais que o matem (e matam)
A cada instante de amor.
No Brasil morre uma mulher a cada duas horas por feminicídio ou homicídio doloso. Ocupamos a 7ª posição, entre 83 nações, como as mais violentas para mulheres, e o Rio Grande do Norte detém, orgulhoso, o maior índice de feminicídios do país. E pensar que Cora Coralina, sem saber que três dentre quatro mulheres são assassinadas no lar, assim preconizou no poema Meu Destino:
Nas palmas de tuas mãos
Leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
Interferindo no meu destino.
O que aconteceu conosco, homens, que não mais endeusamos as mulheres? Por que tememos a liberdade que elas conseguiram ao ponto de não aceitarmos viver sem o poder de posse absoluta sobre os seus destinos? Talvez por isso não vejamos mais poemas como o Beijo Eterno, de Castro Alves:
Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue. Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
Lutemos juntos, homens e mulheres, para não enterrarmos de vez o romantismo. Chega de enlutar corações. Chances existem de concertarmos as distorções do desentendimento, como aconselha Álvares de Azevedo, no poema Amor:
Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão.
José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor
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