NEM POR VOCÊ, NEM POR NINGUÉM –
¾ Sim, eu também sou uma pessoa hedonista – eu acho. Respondi assim, em meus pensamentos, portanto, silenciosamente, todas às três vezes que meu interlocutor afirmou suas convicções, posturas e crenças, inclusive, a falta delas. Eu apenas o fitava. Talvez, não sei, meu interlocutor tenha pensado que eu não soubesse o significado da palavra e, por isso mesmo, a repetiu três vezes, acho que ele estava esperando alguma reação de minha parte. Eu reagi, instantaneamente, só que internamente, apenas para mim.
Até agora eu não consigo entender o porquê do meu silêncio, por qual razão eu não havia conseguido interagir e afirmar a minha concordância. A questão é que, nos instantes que se seguiram, eu entrei numa espécie de transe, vi-me incursionando pelas gavetas das minhas lembranças, trazendo à tona histórias e fatos de vida, principalmente sobre as coisas que eu havia aberto mão, dos sonhos adiados, deixados para trás e de todas as vontades e desejos frustrados.
Pude ouvir suas argumentações de forma cautelosa, enquanto espiava, através do meu cerne, as provocações que aquela conversa me causava. Eu só ouvia, meditava e, de certa forma, eu concordava com suas assertivas. Sim, eu também pensava da mesma forma, com alguns ajustes aqui e outros acolá, mas, em linhas gerais, era aquilo mesmo que eu sempre quis para minha vida: a liberdade de ser quem sou sem me privar daquilo que me dá prazer, e mais, sem julgamentos ou castrações.
Lembro que, em minha adolescência, cantava como mantra a canção de Fábio Jr., 20 poucos anos, todas as vezes que me sentia frustrada por algo que não conseguia realizar. Aquilo era uma forma de me convencer que eu não podia desistir de mim e nem das coisas em que eu acreditava e queria para mim: […]nem por você nem por ninguém eu me desfaço dos meus planos, quero saber bem mais que os meus vinte poucos anos […]. Assim, eu expurgava as dores que eu tanto odeio sentir.
La dolce vita é algo tão simples de se ter que está longe de ser algo de outro mundo, pelo menos para mim. Por exemplo: tenho enorme prazer em postergar as primeiras horas da manhã “ao despertar, ainda deitada em meu leito aconchegante e quentinho, a mente desperta num divagar delicioso sobre o que o dia me reserva entre acontecimentos diários, compromissos corriqueiros, obrigações chatas, encontros, desencontros…” (Trecho da crônica Adoro ser mulher – Flávia Arruda).
Eu já dizia em outra crônica, também de minha autoria, chamada Cheia de manias: “Adoro ler livros (de trás para frente), assistir TV (comerciais), ver shows das minhas bandas favoritas (sempre simpatizo com o baterista), tomar água as pampas (Natural de preferência), tomar café nem se fala (ah, esse é esfriado na xícara) e viajar é prazer dobrado. Não posso negar que gosto de comer bolo (quente), deixar a pia toda limpa sem louças sujas (acordar e ver tudo organizado é êxtase), dormir bem (sem travesseiros e com os pés para fora da cama), fazer amor (sem reservas nem ditames) e por aí vai. São tantas coisas simples que gosto e faço nos meus dias, que nem consigo lembrar de todas as coisas de uma só vez. Ah, não posso esquecer, um barzinho regado a boa conversa e cerveja gelada é tudo de bom, e se tiver música, aí eu me acabo de vez”.
A minha avó já me dizia, ainda mocinha, que eu tinha coragem de mamar numa onça, que eu era destemida e não tinha medo do perigo.
Acho que ela estava certa. Na verdade, só tenho medo daquilo que não me apraz, do que me enclausura e me faz sentir dor… do resto, eu me jogo! Não abro mão de viver as coisas boas da vida, da minha maneira, do meu jeito de pensar e agir. A minha única regra é: Nunca prejudicar alguém ou causar sofrimentos desnecessários, afinal, tem coisas que podem ser evitadas e ainda continuarem sendo prazerosa.
Agora fiquei em dúvida, será que pego pelo menos uma letra para o termo hedonista?
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro As esquinas da minha existência, [email protected]