NO TEMPO DA BRILHANTINA –

No tempo da brilhantina não existia cerca elétrica em residências nem grades em janelas que não as dos presídios. Tampouco alarme eletrônico ou câmeras curiosas vasculhando moradias e ruas. Ninguém anteveria o futuro com radares controladores de velocidade, lombadas eletrônicas e veículos inteligentes.

Nem pensar em computador pessoal ou instalados em painéis de carros movidos a eletricidade. Nada de telefonia celular ou aplicativos eletrônicos de nomes estranhos como bluetooth, hangouts e whatsapp. Muito menos uma fonte de informações chamada google, interligada a um sistema global de redes de computadores, que utilizam o conjunto de protocolos padrão denominado internet.

Naquele tempo, quem aventaria a possibilidade de entrar num tubo para ser examinado, da ponta do pé até a raiz do cabelo, mediante exames de ressonância magnética? Ou instalar stents cardíacos nas coronárias ou, ainda, sobreviver a infartos com pontes de safenas no peito?

Indo mais adiante, ser um receptor de órgãos tais como córneas, fígado, coração, pulmão, rins ou ver, implantados em si e obedientes ao seu comando, membros doados por seus semelhantes. Qual mulher imaginaria chegar à velhice com o corpo sarado, bumbum empinado, peitos siliconados e cara de boneca?

No tempo da brilhantina não existiam cinema, televisão nem DVDs de alta definição. Ninguém ouvia falar em genoma humano ou DNA. A clonagem de qualquer ente vivo era exclusividade de roteiristas de Hollywood ou de histórias em quadrinhos. Da mesma forma que habitava somente em mentes visionárias a remota hipótese de viagens ao espaço sideral e o pouso na Lua.

Os amantes da música jamais consideraram se deparar com estilos do tipo axé músic, mangue beat, zouk, punk rock ou funk melody. Somente malucos ou suicidas praticavam esportes radicais tais quais mountain bike, snowboarding e bungee jumping. Short curto de jeans desfiado usado com blazer de grife e sapato de salto alto era considerado fantasia, e não roupa da moda.

No tempo das cabeleiras ensebadas com brilhantina não se cogitava em implantar pelos em couros desprovidos deles, sendo a peruca a única solução para os carecas. Não existiam Viagra e AIDS, tampouco bombas de anabolizantes, nem se ingeria maconha como medicamento.

Se falassem em nanotecnologia, pensava-se em algo relacionado a um anão tecnólogo. Não se abordava a homossexualidade abertamente na mídia nem era permitido beijo de gays na televisão. A cerimônia do casamento consistia, tão somente, na união de um homem com uma mulher.

É incompreensível que tenhamos escapado àquela época sem sequelas físicas ou comportamentais em razão de tantas carências de avanços na medicina, na comunicação, na tecnologia, na ciência e na amplitude de informações. Como sobrevivemos por tanto tempo sem o conforto e as facilidades de agora?

O mundo mudou e continua mudando muito depressa, e é voz geral que muda para melhor. Mas, por que essa impressão de ele estar mais perigoso do que antes? Por que a sensação de pânico e de insegurança, quando deveria ser o contrário? Quais os motivos para tanta ansiedade e insatisfação? Se no balaio do progresso for condição fundamental vir junto com ele tanta mazela, eu sou mais continuar usufruindo das limitações contidas no tempo da brilhantina.

 

José Narcelio Marques Sousa – É engenheiro civil – jnsousa29@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

 

 

Ponto de Vista

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