AB DIOGENES DA CUNHA LIMA

Diógenes da Cunha Lima

 “E quem é o teu próximo?”, pergunta formulada a Jesus. Lucas 10.2, “Meu filho, chama a inteligência para que te preserve da mulher alheia.” Provérbios 7.4.5

 A mulher é a metade mais bonita da humanidade. O homem, mais frágil, por ela se encanta e não sabe pôr limites no seu querer. Ninon de Lenclos (1620-1705),  amante do cardeal Richelieu,  teria sido a mulher mais bonita do século.  Teve dois filhos que não a conheciam, educados longe.  Um deles deseja e quer a mulher Ninon a qualquer preço.  Ninon é obrigada a revelar ser sua mãe.  O rapaz desce as escadarias do palácio e com um tiro de pistola põe fim ao desejo.  E à vida.

O mandamento é para não desejar a mulher do próximo, mas também não desejar o marido da próxima. Será o nono mandamento um texto misógino, a mulher como objeto?  Não é fácil do homem proibir o desejo, estabelecer controle.

A mais difícil limitação é ao desejo erótico.

Conta o Livro Sagrado que o rei, depois da sesta, vê de sua varanda, uma mulher no banho.  É bela demais, tentação. Na hora, deseja a mulher do próximo.  O próximo é um dos seus comandantes, soldado fiel, Urias, o hitita.  O rei Davi não fica no desejo, chama à sua presença e dorme com Betsabé.  Depois, recebe o recado dela: “Estou grávida!”.  O rei manda chamar o distante marido  para induzi-lo a dormir com a mulher e legitimar a gravidez.  Urias vem, bebe o vinho real, mas dorme na porta do palácio.  Alega não poder ir para casa, feliz com a mulher, se os seus comandados estão na guerra.  O rei manda colocar Urias na linha de fogo para que morra. Betsabé chora a morte do marido, mas, grávida, passado o luto, casa com o rei. O filho do real adultério morreu menino,  não houve preces capazes de salvá-lo.  Foi-se o irmão, de pai e mãe, do rei Salomão.  Mas, isso já é outra história…

A ética do rei Davi deixava muito a desejar.  Hoje, diríamos, ele teria cometido assédio sexual.  Ainda que a mulher de Urias obedecesse, tivesse docilidade pelo bom-senso de não desagradar o rei.  O fato é que o desejo levou ao adultério e o adultério levou ao assassinato.  Salomão anunciou depois: “Cova profunda é a boca da mulher estranha.”

Jesus respondeu através de uma parábola que próximo  significa amigo, o misericordioso, o bondoso. Desejar é vontade de possuir, gozar, é o apetite sexual imoderado. A mulher no sentido da Bíblia é o ser humano; o pecado é, pois, também da mulher que deseja o marido de outra.  O próximo não é apenas o que está  pequena distância, o vizinho, mas o companheiro, o parceiro no ato de viver.  Próximos somos todos, conjunto de homens e mulheres, como está no Gênesis, macho e fêmea os criou. O maior dos mandamentos, ensina o Mestre, é amar ao próximo como a nós mesmos.

Todos sabemos que os homens têm impulsos sexuais.  Muitos têm em excesso: são lúbricos.  Entretanto, essa ânsia de se satisfazer deve ser limitada pela razão e pela vontade.  Será o homem sempre polígamo?  Não lhe basta uma mulher?  Paul Géraldy, com certa ironia, comenta: “O amor é um esforço que o homem faz para se contentar com apenas uma mulher.”

Já Luís de Camões usava o verbo comer com o sentido de copular. O apetite sexual existe, mas o pudor, o respeito, a dignidade humana exigem a contenção.  É o amor.  E não apenas na eficacidade, na consumação do ato, mas no próprio querer.

É verdade que muita mulher tira o juízo do homem.  E até dos bichos.  Está em um poema do pintor Di Calvalcanti: “A virgem morena / pedia pecado.”  Depois, a reação irracional: “Gritaram caiporas, / uivaram as antas, / as onças urlavam,  / as cobras mordiam / as ancas das éguas.”  É o cio.

O espanhol tem a expressão mujer de bandera: a mulher que é muito atrativa, inevitável.  Se ela é estranha, há que evitá-la como se evita uma cova profunda.

 Diógenes da Cunha Lima – Escritor, poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

 

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