A nuvem de gafanhotos que chegou à Argentina e se aproxima do Brasil preocupa pesquisadores e autoridades brasileiras por ser uma praga ainda pouco conhecida e que é capaz de causar danos enormes às lavouras agrícolas.

Antes de chegar à Argentina, a nuvem de gafanhotos passou pelo Paraguai e, por lá, destruiu plantações de milho. De acordo com monitoramento da Argentina, os insetos devem seguir em direção ao Uruguai.

Isso preocupa o Ministério da Agricultura do Brasil, já que, ao realizarem este percurso, os gafanhotos passarão pelo oeste do Rio Grande do Sul.

Praga pouco conhecida

Segundo um relatório do Ministério da Agricultura da Argentina, a espécie de gafanhoto que avança na América do Sul, chamada Schistocerca cancellata, causou danos severos à produção do país nos anos 1960 e ainda é “pouco conhecida”. Novos ataques do inseto voltaram a ser relatados no país vizinho somente em 2015 e se repetiram em 2017 e 2019.

Segundo o Ministério da Agricultura do Brasil, esses insetos estão no país desde o século 19 e causaram grandes perdas às lavouras de arroz na região Sul do país nas décadas de 1930 e 1940. Mas as nuvens não se formam desde então.

“(A praga) Tem permanecido na sua fase ‘isolada’, que não causa danos às lavouras, uma vez que não forma as chamadas ‘nuvens de gafanhotos’. Recentemente, voltou a causar danos à agricultura na América do Sul, em sua fase gregária (formação de nuvens)”, afirmou o ministério.

Ivo Pierozzi Júnior, doutor em ecologia, participou de um estudo pela Embrapa no final da década de 1980 de um fenômeno parecido ocorrido em Mato Grosso, porém com uma outra espécie do inseto (Rhammatocerus schistocercoides).

“Essas infestações são periódicas, fazem parte parte do ciclo da espécie. Já houve surtos no passado, na década de 1940, 1970, no Sul”, afirmou Pierozzi Júnior.

Formação das nuvens

Pierozzi Júnior conta que os insetos têm um mecanismo genético de gregarismo, ou seja, vivem em grupos, agregados. É um comportamento natural dos gafanhotos viverem próximos, inclusive para facilitar a reprodução.

Após esse ciclo de expansão, a tendência é que os insetos se dispersem e o nível populacional se estabilize. Os gafanhotos podem viver de meses até um ano, tudo varia conforme a espécie, o clima e as condições do enxame.

“Podem vir a ser um problema se, eventualmente, chegarem ao Brasil. Vai depender muito das condições que eles vão encontrar pelo caminho, o clima e o que vão ter para comer, que culturas ainda estão sendo plantadas… os gafanhotos não diferenciam uma vegetação natural de uma cultura economicamente importante para o ser humano.”

Clima e agrotóxicos

Segundo o governo, os fatores que levaram ao ressurgimento desta praga em “sua fase mais agressiva” na América do Sul ainda estão sendo avaliados pelos especialistas e podem estar relacionados a uma conjunção de fatores climáticos, como temperatura, índice pluviométrico e dinâmica dos ventos.

O professor de entomologia da Universidade de Cruz Alta Maurício Pazzini afirmou à RBS TV que a estiagem que o Rio Grande do Sul passou neste verão poder facilitar a chegada dos insetos ao Brasil.

No entanto, Pierozzi Júnior diz que não é possível afirmar que apenas a seca e a mudança de clima que atingiu o estado e, por consequência, o Sul do continente neste ano, tenha estimulado a formação da nuvem de gafanhotos.

O entomologista e pesquisador da Embrapa Soja, de Londrina (PR), Adeney de Freitas Bueno, diz que o crescimento excessivo da população de gafanhotos é estimulado pelo clima quente e seco associado a um desequilíbrio ambiental provocado pelo uso excessivo e incorreto de agrotóxicos nas lavouras.

Ele explica que o manejo incorreto dos inseticidas destrói agentes que são controladores naturais do crescimento de insetos e da proliferação de pragas. Esses agentes naturais são, por exemplo, os sapos, pássaros, bactérias e fungos.

“Há fungos, por exemplo, que são responsáveis por causarem doenças que matam os percevejos e gafanhotos. E, quando você usa incorretamente os agrotóxicos, você destrói todos esses microrganismos que seriam importantes para controlar, naturalmente, o crescimento da população de insetos”.

“É como o nosso organismo. Se você tomar muito antibiótico, você destrói bactérias que são importantes para o nosso organismo”.

Formas de combate

Segundo Bueno, da Embrapa, uma forma de combater a nuvem de gafanhotos é utilizar inseticidas específicos nas plantações para matar os insetos.

“Porém, o uso de inseticida é paliativo e pode não ter um resultado tão bom. Pois são muitos insetos que voam de forma muito rápida a longas distâncias, em grande quantidade. Quando eles chegam, devoram rapidamente tudo o que é verde. Então, até o produtor tomar a decisão de colocar inseticida e o produto fazer efeito leva alguns dias. Somente para o inseticida fazer efeito são dois dias”, explica Bueno.

Por isso, o pesquisador ressalta que o monitoramento, neste momento, é muito importante.

Já para prevenir esse estrago no longo prazo, a saída, segundo Bueno, é fazer um uso racional dos agrotóxicos e manejo integrado de pragas e doenças.

Pierozzi Júnior reforça que o controle dessas pragas deve ser feito e indicado pelas autoridades, no caso o Ministério da Agricultura. “Até porque, se o agricultor fosse aplicar (inseticida), ele precisaria de um receituário agronômico para comprar o defensivo, e isso é fiscalizado.”

Alerta no Sul

O ministério pediu que a Superintendências Federais de Agricultura e aos órgãos estaduais de Defesa Agropecuária para que realizem o monitoramento das lavouras e orientem os agricultores, principalmente os do Rio Grande do Sul, a adotarem eventuais medidas de controle da praga, caso a nuvem chegue ao Brasil.

A Emater do Rio Grande do Sul também orientou os produtores da Fronteira Oeste do estado.

“As autoridades fitossanitárias brasileiras encontram-se em permanente contato com as autoridades argentinas, bolivianas e paraguaias, por meio do Grupo Técnico de Gafanhotos do Comitê de Sanidade Vegetal (Cosave)”, reforçou o Mapa, em nota divulgada nesta terça-feira (23).

A nuvem consegue se deslocar rapidamente, cerca de 150 km por dia, o que reforça a necessidade de monitoramento de autoridades e produtores rurais.

Fonte: G1

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *