Uma nuvem de gafanhotos voltou a se aproximar do Brasil e do Uruguai nos últimos dias e tem causado preocupação. Autoridades brasileiras consideram que a principal forma de combater o problema é por meio do despejo de agrotóxico em direção aos insetos. Especialistas, porém, avaliam que o método é extremamente prejudicial.
De acordo com o Serviço Nacional de Saúde e Qualidade Agroalimentar (Senasa, na sigla em espanhol), uma agência do governo argentino, a nuvem de gafanhotos atualmente está na província de Entre Ríos, na Argentina, nas proximidades com o Rio Grande do Sul e o Uruguai.
A alta temperatura do último fim de semana na Região Sul do Brasil, segundo especialistas, favoreceu o deslocamento dos insetos. A estimativa é de que os gafanhotos, da espécie Schistocerca cancellata, estejam a cerca de 120 quilômetros do município gaúcho de Barra do Quaraí — uma das menores distâncias desde os primeiros alertas sobre o tema.
Os gafanhotos chegaram à Argentina a partir do Paraguai, em meados de maio. Hoje, há nuvens dos insetos nos dois países, atacando lavouras nas regiões.
Uma nuvem de gafanhotos pode destruir plantações. Eles se alimentam de qualquer material vegetal e podem comer o equivalente a algo entre 30% a 70% de seu peso, em algumas situações essa taxa pode subir para 100%.
No fim de junho, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento alertou sobre a nuvem de gafanhotos que avançava em direção ao Uruguai e ao Sul do Brasil.
Um mês depois, a pasta não descarta a possível chegada da nuvem de insetos ao Brasil. No entanto, diz que é mais provável que ela siga para o Uruguai.
“No momento, não há nada que faça entender que a nuvem vá entrar no Brasil. Estamos acompanhando essa questão diariamente. A nuvem segue a mesma direção que tinha antes e, provavelmente, vai chegar ao Uruguai”, afirma a coordenadora-geral de proteção de plantas da Secretaria de Administração Agropecuária, Graciane Castro.
No fim do mês passado, o Ministério da Agricultura declarou estado de emergência fitossanitária no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, Estados que podem ser atingidos pelos insetos. Essa medida, que tem duração de um ano, permite a contratação de pessoal por tempo determinado e autoriza a importação temporariamente de defensivos agrícolas para combater os gafanhotos.
Segundo o governo do Rio Grande do Sul, o plano de combate aos insetos pode contar até, caso necessário, com cerca de 400 aviões para aplicar o agrotóxico contra a nuvem.
Para especialistas, o uso de agrotóxico é extremamente inadequado para enfrentar os gafanhotos. Eles afirmam que a medida pode causar sérios danos às pessoas e ao meio ambiente.
O Senasa afirma que, apesar de ser rural, a nuvem pode se tornar urbana e chegar a vilas e cidades. Porém, os gafanhotos não afetam a saúde humana ou dos animais, pois se alimentam somente de material vegetal e não são vetores de nenhum tipo de doença.
Na área rural, os insetos podem afetar intensamente a atividade agrícola, e, indiretamente, a pecuária, porque se alimentam de recursos usados nesta atividade. Eles também causam danos à vegetação nativa.
Estudos apontam que pode haver 40 milhões de gafanhotos em cerca de 1 km². Segundo o governo argentino, a praga migratória pode viajar até 150 quilômetros em um único dia. O controle da nuvem é considerado complexo justamente em razão da grande capacidade de voo desses insetos.
O governo argentino usou aviões com agrotóxicos para combater a nuvem, que chegou ao país por volta de 21 de maio. Apesar de a medida ter reduzido a quantidade de insetos, foi insuficiente para destruir completamente a nuvem de gafanhotos, que afetou duramente plantações em províncias argentinas como Santa Fé, Formosa e Chaco.
Uma das dificuldades enfrentadas pelo governo argentino é que os insetos costumam ficar em locais de difícil acesso, o que prejudica o monitoramento diário.
Dias atrás, a nuvem se deslocou da província de Corrientes para Entre Ríos, no sul da Argentina. A alta temperatura na região, segundo autoridades locais, facilitou a locomoção dos insetos.
Chefe da Divisão de Defesa Sanitária Vegetal da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul, Ricardo Felicetti afirma que as autoridades do Estado estão atentas para uma possível chegada da nuvem à região nos próximos dias.
“Até quarta-feira, as condições de alta temperatura (em Barra do Quaraí) podem influenciar a movimentação da nuvem. Mas não podemos afirmar que a nuvem vai ingressar no país. Ela pode tomar distintas direções. Porém, admitimos que pode acontecer esse ingresso”, diz Felicetti à BBC News Brasil.
O principal temor dos produtores da região é que a nuvem de gafanhotos prejudique ainda mais as plantações, após um período de verão frustrado pela seca.
Felicetti afirma que foi criada uma rede de vigilância sobre o tema no Estado, com auxílio em diversos municípios. “Se houver um surto de gafanhotos na região, vamos atuar rapidamente”, declara.
“A nuvem tem muita mobilidade, então temos que agir rápido. Temos parcerias com diferentes entidades rurais para aplicação aérea e terrestre de defensivo para combatermos os gafanhotos”, acrescenta Felicetti.
Segundo ele, há 70 aviões disponibilizados pelo Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) para aplicar agrotóxico. Felicetti afirma ainda que o Estado do Rio Grande do Sul tem uma frota de 400 aviões que podem ser usados, caso necessário, para aplicar agrotóxico contra a nuvem de insetos. “Isso vai depender da necessidade. Todas as aeronaves do Estado foram disponibilizadas”, revela.
Ele afirma que o agrotóxico utilizado para conter a possível chegada da nuvem de gafanhotos terá baixo impacto e será utilizado com cautela. Segundo ele, o produto será aplicado por via aérea e terrestre, apenas em áreas onde não haja residências, rios ou animais, para evitar riscos para a população local e para não contaminar áreas preservadas.
“Esses produtos já eram usados contra a praga, mas no verão. Como estamos diante de uma situação que não é habitual, também liberaram os defensivos no atual período”, diz.
“O uso dos defensivos é a única forma de controlar essa nuvem, tendo em vista o grande número de insetos. O estoque (de agrotóxico) que temos disponível no Estado é suficiente para essa emergência. O grande desafio é a logística envolvida para levar esses produtos para onde ocorrem os focos dessa nuvem”, acrescenta.
Coordenadora-geral de proteção de plantas da Secretaria de Administração Agropecuária, Graciane Castro diz que não há motivos para temer um possível uso do agrotóxico contra os gafanhotos. “O produto será aplicado com segurança. É um uso excepcional de defensivos, autorizados para combater essa nuvem”, afirma.
Os agrotóxicos que serão utilizados para um possível combate aos gafanhotos não foram especificados pelo Ministério da Agricultura até o momento. As informações, segundo a pasta, devem ser detalhadas apenas se a nuvem de insetos chegar ao país.
“Estamos preparados para uma possível chegada dos insetos. Mas não consideramos que haja, neste momento, uma indicação de que a nuvem está vindo para o país”, declara Castro.
O uso de agrotóxico para conter a nuvem de gafanhotos causa incômodo e preocupação em especialistas que estudam sobre os impactos ambientais causados pelo produto.
“Entendo medidas desesperadas. Mas com isso vão envenenar muito mais do que os gafanhotos”, afirma o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, um dos coordenadores do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos.
“Penso que o Estado deva buscar uma solução para induzir os gafanhotos a pousarem. No solo, causarão enorme estrago, mas poderão ser destruídos de diversas maneiras (sem o uso de agrotóxico)”, afirma.
Especialista em entomologia, área da biologia que estuda os insetos, Mohamed Habib, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), rechaça as afirmações sobre um possível “agrotóxico seguro” para combater os gafanhotos. Ele afirma que não há um produto que não cause prejuízos ao meio ambiente e à população local.
“Isso pode envenenar o lençol freático, rios e córregos e todo o ambiente natural. Isso também pode afetar os animais que se alimentam do pasto e o próprio ser humano, principalmente as pessoas que vivem no entorno desses lugares”, diz Habib.
“E quem vai pagar essa tonelada de agrotóxicos? Óbvio que vão querer jogar nas costas do governo, do cidadão. Isso deveria ser responsabilidade de grandes agricultores, que destruíram vegetação e causaram isso”, critica.
Ele relata que justamente o uso do agrotóxico em produções rurais é um dos motivos da origem da nuvem de gafanhotos. “Esses produtos matam diversos animais que se alimentam de insetos. Em razão disso, os ovos de gafanhotos, que costumavam servir de alimentos, eclodem e originam muitos novos insetos”, diz.
A fêmea costuma depositar, em um buraco no solo, de 150 a 220 ovos de gafanhotos por ano. Com a ausência de predadores, os ovos que muitas vezes se tornavam alimentos, originam novos insetos. Assim, sucessivamente surge uma superpopulação de gafanhotos, que formam nuvens.
Uma espécie de gafanhoto é considerada praga quando passa a disputar espaços e recursos com o homem, causar prejuízos financeiros e ameaçar a segurança alimentar de populações humanas, além de atender outros critérios (tamanho, duração do surto etc.).
Além da questão do uso de agrotóxico, fatores climáticos como níveis de temperatura, umidade do ar, chuvas e ventos favoráveis à sua reprodução podem estar por trás da nuvem. Há também influência da prática de monocultura — muito comum no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai —, que pode eliminar predadores naturais como aves e sapos.
“Se entendermos a causa da desgraça, podemos pensar na população e melhorar. Se continuarem destruindo a diversidade natural de plantas e animais, a população de gafanhotos não vai ser reduzida naturalmente. O voo migratório desses insetos vai continuar e outras nuvens poderão chegar ao Brasil”, diz Habib.
Sobre a nuvem que pode chegar ao Rio Grande do Sul nos próximos dias, Habib defende que as autoridades pensem em um método que possa repelir os insetos antes que eles pousem. “Pode ser um barulho, uma cortina de fumaça ou até um tiro falso, que é um barulho assustador. Jogar veneno não adianta. Há várias medidas inteligentes que podem ser pensadas. Usar agrotóxico nessa questão é criar ainda mais problemas”, declara.
“Uma outra alternativa é a catação manual desses insetos, com redes entomológicas. Isso pode até transformá-los em excelente ração para outros animais”, acrescenta o especialista.
Habib defende, para o futuro, que os erros sejam corrigidos e que haja diversidade biológica em cada propriedade. “É preciso corrigir os erros sobre o agrotóxico para não repeti-los. Quando se recupera a diversidade, há um controle natural e não haverá mais surtos”, declara.
Fonte: G1
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