O CALENDÁRIO –
Fazia tempo que aquela porta não era aberta. No ranger das dobradiças talvez um especialista pudesse estimar o tempo que ficaram inertes. Parte dos móveis, algumas cadeiras e uma poltrona, uma mesa ainda com a última toalha, uma estante com livros empoeirados e um armário baixo que me chamou atenção por acomodar sobre ele, um calendário.
Aproximei-me lentamente, caminhando sobre o assoalho de madeira importada, desviando-me de alguns objetos encobertos com tecidos coloridos, até aquele calendário.
Com um sopro cuidadoso, evitando que a poeira estimulasse qualquer reflexo respiratório, vislumbrei o mês e ano: Abril 1968.
Seria essa a real data em que tudo ficara parado?
Teria alguém esquecido de adiantar a folha para o mês seguinte?
Bom, isso não seria relevante, pois um espaço de tempo à frente ou atrás, em nada modificaria aquele quadro.
O fato é que me dei conta de que ao girar a chave daquela porta, estávamos em 2018.
Fez as contas? Cinquenta anos!
Não me contive. Rebobinei a memória e percebi que aquele calendário sinalizava precisamente o “tempo” dos meus dezessete anos.
Impulsionado pela curiosidade, busquei alguns fatos que marcaram minha vivência, retroagindo a um ponto que me desse o controle de retornar das divagações, quando necessário.
Foi o “ano que sacudiu o mundo”: Manifestações estudantis surgindo em cadeia, principalmente em Paris, movimentos contrários às guerras bancadas pelos Estados Unidos, a utopia pela democracia em Praga, a luta pelo fim da ditadura no Brasil.
Foi também a efervescência dos movimentos culturais livres e, o surgimento de novos “personagens” que revolucionaram a música, o cinema, o teatro, a literatura, enfim.
A juventude se rebelou em todo o mundo, promovendo uma revolução nos costumes. O espetáculo musical Hair, um dos símbolos da contracultura hippie chocou o público com cena de nu explícito no palco e referência ao uso de drogas ilegais.
Em Natal, como no resto do país, os jovens “ousados” cantavam “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Minha inspiração poética estava jorrando “lavras” de palavras, e saiu um poema genérico do “Pra não dizer que não falei de flores”, que foi recolhido pela censura paterna, como “bom senso e precaução”, evitando que me levassem (pra onde não sei) na calada da noite.
A Galeria de Arte (lembram-se dela), lá na Praça André de Albuquerque, era um dos pontos de manifestações que aglutinavam os jovens “com” causas, que iam surgindo na cidade.
E eu no meio deles.
O grande legado do ano 1968, sem dúvida, foi a revolução comportamental. Os ideais de solidariedade, de levar em consideração as minorias – os movimentos sociais, os movimentos gay, feminista e ecológico –, são conquistas que começaram naquele ano.
…
Um novo olhar para o calendário me fez retornar a 2018.
Saindo, fechei a porta e apenas disse: como tudo mudou!
Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil e Membro da Academia Macaibense de Letras ([email protected])