O CINCO É PAR-SEMPRE –

Estava tomada por uma sonolência pouco habitual. Eram quase 23h da última quarta-feira. Normalmente, nesse horário, costumo ler um pouco até que o sono dê sinais de vida, ou melhor, dê sinais de que a vida pede, também, um pouco de descanso, um pouco de calma. O sono é o alerta que nos mostra a necessidade de
desacelerarmos o corpo e a mente para serem reabastecidas as energias vitais.

Desligar temporariamente as conexões nos garante um amanhecer mais tranquilo e com mais disposição. Mantenho alguns rituais noturnos que ajudam a encontrar a sensação de relaxamento e conforto para um sono restaurador. Nessa noite, em especial, driblei alguns passos da senda de minha inatividade. Pude economizar um pouco da visão, deixando o livro sobre a cabeceira da cama. Apaguei a luz do quarto. Pus-me em silêncio. Os pensamentos estavam desordenados, havia muito a organizar. Parecia-me ter nevoeiros de imprecisão no panorama que se emoldurava. Pelo visto, a sonolência tinha causa específica.

Pela janela, os reflexos da iluminação do prédio vizinho invadiam o vão que me acolhia, distraí-me contando os cinco pontos iluminados. Inacreditavelmente, eram cinco pontos extremos e interligados, e desenhavam uma silhueta inerte que pairava sobre minha cama, num movimento de infinitude temporal e espacial. Parecia-me
não ter início nem fim, os cinco pontos interagiam com a força da imortalidade. Fechei os olhos e me vi voltar no tempo, transportei-me para as últimas trinta e seis horas. Ouvi meu riso frouxo – reluzido, naqueles instantes, por uma alegria que não se continha em mim e explodia nas gargalhadas sem motivo aparente – calar-se, instantaneamente, diante da impossibilidade de se negar um pedido. O riso despreocupado, alegre e gratuito esvaiu-se no sopro de um hálito ardido, dando lugar à tensão e ao medo de jogar fora o maior acontecimento dos últimos tempos.

A situação estava melindrosa. Requeria expertise diante de um fato inusitado, uma tomada de decisão rápida. Eu teria de ser ágil e perspicaz ao buscar minha razão. O tiro tinha de ser certeiro ou sairia pela culatra. E, agora, o que fazer? Eu teria de manter o lustre do compromisso ora firmado. O brilho dourado teria de ofuscar qualquer tentativa obscura de romper com o que havia sido construído a passos lentos. As fagulhas se espalhavam criando focos, ameaçavam tomar grandes proporções. Eu teria de ser tenaz e fazer valer todo respaldo depositado em meus acalantos.

Cada minuto que se seguia aparentava estar congelado nos instantes passados. Deu-me dor de cabeça, dor de barriga, dor na coluna, dor nos ossos, até nos pensamentos eu sentia dor. Se me perguntassem: – Que dor é essa? Responderia, em cima da bucha: – Ora, dor de aperreio, de desmantelo. Dor que não é dor, mas que causa dor! Diferente do que diz o ditado popular, quero, sim, me lembrar do tamanho da peleja para não incorrer nos mesmos erros. Pois bem, deu-me todas as dores possíveis, as inimagináveis também não deram trégua. Tudo isso por não poder descongelar o tempo e atrasar o relógio em algumas horas, modificar respostas e aprender, de uma vez por todas, a dizer “NÃO!”. A dizer: – Alto lá! As coisas não são bem assim, precisamos pôr na balança e pesar o que há de se decidir. Para tanto, preciso ter muito claro, no setor de formulações de respostas do meu cerne, que, quando compreendo algumas particularidades contidas na minha aritmética, sob a ótica do crivo que passou a minha vida, entendo que cinco é par(sempre) – conforme minhas particularidades, como mencionei logo acima, afirmo que elas em nada tem relação com os pares e ímpares de Pitágoras, longe de mim querer inferir sobre a Irmandade Pitagórica e correr o risco de me meter em mais uma homérica confusão. Já bastam as que eu me meto aos pares.

Tomando o cinco como princípio básico para a assertividade das próximas deliberações, posiciono minha razão diante das respostas que nunca soube dar, que nunca aprendi como dizer, elevando-a ao topo da consciência de que decisões devem primeiro passar pelo motivo cinco, que repousa em meu âmago, para nunca mais esquecer-me que 5 é par(sempre), que nessas contagens que a vida me ensinou a viver, aprendi que tem decisões impares que nos tornam par(sempre).

Nesses casos, em que tenho de ser firme e convicta, lembrando que, se eu não consigo dar respostas, que eu aprenda, com todas essas pendengas, pelejas e aperreios, a retardar o retorno e seguir a minha razão, deixá-la tomar as rédeas e assumir, de uma vez por todas, o controle de mim, lembrando-me da regra básica dos 5: Parar 5 segundos – cinco é par(sempre) – para poder raciocinar. E se não der, peça 5 minutos. Ou 5 dias. O importante é pesar as 5 alternativas (Posso?, Quero?, Devo?, Preciso?, Acrescenta?). Com isso, dirimir os prejuízos causados por ações precipitadas e tempestivas de quem acreditou, a vida inteira, que cinco era ímpar.

Com toda essa romaria, rogando sabedoria para entender que cinco poderá ser par(sempre), lembro-me de que ser ímpar é ser carcaça sem alma, corpo vazio sem rota. Assim, desconstruo conceitos matemáticos milenares, para entender que a minha metade inteira é errante e trôpega, deficiente e frágil. Nenhum complemento seria capaz de aprumar a imparidade de minha alma, a não ser que eu me tornasse 5 par(sempre), isso é fato.  Portanto, e para tanto, terei de despir-me de todos os meus medos e entregar-me a silhueta inerte que paira sobre minha cama, adormecer devotada aos rituais noturnos, revigorar-me nas madrugadas e renovar meus votos com a força dos raios de luz que me conduz por todo meu dia, as cinco pontas extremas que são preenchidas pelo amor que te devoto, e que me torna par-
sempre e, consorte, para-sempre.

 

 

 

 

Flávia Arruda – Professora e escritora, [email protected]

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