O CLAVICULÁRIO –
Às vezes somos surpreendidos com determinadas palavras em locais inesperados. Certa vez li uma crônica de Carlos Drummond de Andrade sobre um aviso encontrado em alguns elevadores: Afaste-se – Porta Pantográfica. Que porta perigosa seria essa que até pantográfica era? Lembrei-me do nosso poeta maior ao ver um pequeno cartaz no vestuário de um hospital: As chaves dos armários devem ser recolocadas no claviculário após o uso.
Confesso que vibrei com a terminologia e saí indagando no centro cirúrgico se alguém sabia o que danado era claviculário. Dona Altiva não me decepcionou:
A prova de que a minha surpresa tem fundamento é que o corretor automático do Word, por desconhecer a palavra título, sublinhou-a de vermelho.
Rafael Negreiros quando tinha dúvida sobre alguma palavra ia direto ao dicionário. Quando se tratava de inglês ligava para Gabriel, seu irmão. Por mais complexa que fosse a pergunta, Gabriel sempre respondia, embora algumas vezes pedisse para aguardar um pouco, pois estava atendendo um freguês. As respostas eram sempre ricas em detalhes. Como os estabelecimentos comerciais eram próximos e Gabriel estava demorando um pouco no suposto atendimento ao cliente, Rafael correu até o escritório dele e flagrou-o consultando a Enciclopédia Britânica.
Fato semelhante ocorreu quando eu estava fazendo uma visita ao Aurélio Eletrônico e Raimundo Costa me liga e, no meio da conversa, pergunta-me a conjugação de um determinado verbo irregular. Imediatamente digitei a palavra e dei uma verdadeira aula sobre o tal verbo, sempre tomando o cuidado de fingir um pouco de incerteza: se não me engano…
Costa não conseguiu disfarçar o seu espanto com o meu suposto nível de conhecimento verbal. Depois de algum tempo confessei a minha burla, semelhante à do saudoso tio.
O nível de conhecimento das pessoas muitas vezes é paradoxal. Vi no show do milhão um nissei responder o que era damejar, pela etimologia deve ser cortejar, respondeu ele, acertando em cheio. E, mais uma vez, o analfabeto do corretor do Word grifou o damejar. Mas, esse mesmo cidadão, não sabia o que era retroceder, tão fácil que até o nosso Word conhece.
Um primo por pouco não levou uns bofetes do meu pai, ao chamá-lo de pusilânime.
– Eu pensei que pusilânime era um sujeito culto, inteligente, não imaginei nunca que era covarde, justificou-se o primo, após ser abecado pelo colarinho e instado a retratar-se.
Quem vai pedir ajuda aos universitários que não sabem sequer como se escreve a palavra privilégio? Aliás, o pessoal do sul e sudeste tanto erra na grafia como na ortoepia e prosódia. Eles só falam adevogado, já notaram? O gaúcho fala fluído em vez de fluido.
E o fruto da pitombeira? Ninguém, nem o candidato, nem os tais engravatados universitários, quiseram arriscar uma pitomba.
Repita comigo: guema, guema, guema… guema, guema, guema… Agora responda rápido, como é o nome da clara do ovo?
Armando Negreiros – Médico e escritor – aafnegreiros@gmail.com
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