O COLAR DE DIAMANTES –

Entre o sublime e o ridículo, não há mais do que um passo; e esse passo, Maria Antonieta dançou durante toda a vida.
Um colar de diamantes, muito valioso, que dois joalheiros, Boehmer e Bassenge, haviam feito na época de Luiz XV, terminou sobrando, não por falta de beleza, mas pelo alto preço cobrado.

Ofereceram, depois, o colar ao seu sucessor, Luis XVI, na esperança de que ele o comprasse para a rainha Maria Antonieta. Porém, já coberta de jóias, ao saber do preço do colar, a rainha deu ao rei esta resposta:
-Com um milhão e seiscentas mil libras, teremos dois navios com sessenta canhões! Temos mais necessidade de navios que de diamantes.

Laporte, um advogado interessado na comissão oferecida pelos joalheiros, procurou a desonesta condessa La Motte, para que ela pressionasse Maria Antonieta a comprar a joia, que já havia recusado.

A condessa pediu para ver a joia, e logo arquitetou um golpe para ficar com ela.

Comunicou aos joalheiros que conseguira um comprador muito rico para o colar. Logo ele entraria em contato com eles, para o acerto da compra e forma de pagamento.

Ao chegar de uma viagem, o Cardeal Rohan foi procurado pela condessa La Motte, que lhe exibiu uma suposta carta de Maria Antonieta, pedindo-lhe para comprar a joia para ela, cujo valor seria pago de sua bolsa particular, uma vez que o Rei Luiz XVI não aprovaria mais a compra.

Precisava, entretanto, de um intermediário, que, por sua personalidade, fortuna, amizade e discrição, inspirasse confiança e a deixasse despreocupada quanto ao segredo.

O Cardeal acreditou na farsa absurda. Sem hesitar, empenhou sua honra, posição, fortuna e dignidade à palavra de La Motte, à simples vista de uma pretensa carta da rainha, cuja letra ele nem sequer conhecia.

Em 24 de janeiro de 1785, ele foi ver o colar. A 29 de janeiro, no palácio de Estrasburgo, os joalheiros compareceram para assinatura do contrato, com pagamento em dois anos, de seis em seis meses, totalizando um milhão e seiscentas mil libras.

A primeira prestação deveria ser paga em 1 de agosto. A entrega do colar seria em 1 de fevereiro.

O Cardeal escreveu por seu próprio punho essas cláusulas, e “submeteu-as à aprovação da rainha”, por intermédio da condessa La Motte.

A condessa “levou” o papel e “trouxe” já assinado. À margem, diante de cada cláusula, estava a palavra “aprovado”. Embaixo, a assinatura “Marie-Antoinette de France”.

A 1 de fevereiro, o Cardeal levou, pessoalmente, a joia para Versalhes, no domicílio de Mme. De La Motte, onde a rainha deveria mandar buscá-la. A condessa fez questão que ele assistisse à entrega do colar ao enviado da rainha.

O Cardeal viu entrar um jovem alto, pálido, vestido de preto, trazendo na mão uma carta da rainha, autorizando “a remessa do colar pelo portador”.

Julgou reconhecer no mesmo moço, Rétaux de Villete, um falsificador francês, chantagista e cafajeste. Não se enganava: aquele era, na verdade, o conhecido falsário, que acabava de representar um novo papel, na última cena daquela fraude.

A condessa La Motte, cinicamente, explicou ao Cardeal que o homem fazia parte “da orquestra do rei e da câmara da rainha”.

Acreditando que o colar tivesse sido levado a Maria Antonieta, o Cardeal retirou-se.

Logo depois, reuniram-se a portas fechadas, Mr. La Motte, sua mulher e o mesmo falsário Retaux de Villette, como três ladrões, para desmanchar o maravilhoso colar.

Com o auxílio de uma faca, desengastaram os diamantes, encheram com eles os bolsos, e logo passaram a vendê-los clandestinamente.

Nenhuma queixa de roubo foi registrada. Julgou-se que alguma grande dama, por dificuldade financeira, houvesse vendido a maravilhosa peça.

Para o Cardeal, as dificuldades começavam. O vencimento da primeira prestação se aproximava e ele via, com espanto, que a rainha não dava sinal de vida; nem mesmo exibia o colar desejado.
La Motte, para acalmá-lo, disse que Maria Antonieta estava exigindo uma redução no preço e prorrogação do prazo.

O Cardeal comunicou essa exigência aos joalheiros, que acabaram concordando com o abatimento.

Escreveram à rainha, sobre o assunto, uma carta, ditada pelo Cardeal, nestes termos:

“Senhora, nós nos sentimos no auge da felicidade ao pensar que as últimas proposições que nos foram feitas, e ás quais nos submetemos com zelo e respeito, são uma nova prova de nossa obediência e dedicação as ordens de Vossa Majestade, e temos verdadeira satisfação ao nos lembrarmos de que o mais belo adereço de diamantes que existe, servirá à maior e melhor das rainhas.”

Essa carta foi entregue à rainha, a 12 de julho, por Boehmer em pessoa, ao mesmo tempo que lhe levava um adereço de brilhantes encomendado pelo Rei, para o batismo do duque d’ Angoulême.

O joalheiro já se retirara, quando a rainha leu a carta, sem grande atenção.
Declarou que não estava entendendo nada. Sua leitora, Mme. Campan, também não entendeu. Sem dar importância àquele papel, Maria Antonieta o queimou.

No vencimento da 1ª prestação, como é óbvio, Maria Antonieta não depositou as quatrocentas mil libras previstas no contrato.

Contrariado, Bohemer, um dos joalheiros, foi a Versalhes e falou com Mme. Campan, a leitora de Maria Antonieta, que lhe disse que a rainha nunca recebera o tal colar, nem sabia dessa compra.

Os joalheiros, então, foram urgentemente ao palácio de Estrasburgo falar com o Cardeal, que, a partir de então, perdeu a tranquilidade.

Pela primeira vez, deu-se ao trabalho de comparar as cartas, que acreditava procedentes da rainha, com a letra autêntica desta, que foi encontrar entre parentes.
A fraude, então, surgiu evidente aos seus olhos.

Quando já estava decidido a apagar tudo, sem dizer nada a ninguém, nem denunciar a condessa La Motte, o Cardeal soube que a rainha, sabendo através de Mme. Campan, sua leitora, a razão da visita do joalheiro, mandou chamá-lo com urgência à sua presença.

Boehmer apresentou-se no dia 9 de agosto e relatou em que circunstâncias vendera o colar.

A rainha, surpresa e sentindo a gravidade do caso, ordenou-lhe que lhe preparasse um minucioso relatório de tudo. Esse relatório foi-lhe entregue e, em seguida, ela mostrou-o ao marido.

Maria Antonieta estava furiosa e, como exercia bastante império sobre o espírito de Luiz XVI, levou-o a participar de sua cólera.

A rainha sentia um velho rancor contra o Cardeal Rohan e sua facção, que representavam a política anti-austríaca, isto é, hostil à rainha.

Sua ira não mais conheceu limites, ao pensar que o Cardeal Rohan se atrevera a gabar-se de ter sido escolhido por ela, para lhe comprar um colar ás escondidas de seu marido, e de ter recebido cartas secretas dela, acreditando que fosse bastante inconsciente da sua majestade real e dos seus deveres de esposa.

Para ela, o Cardeal havia praticado o crime de lesa-majestade. Uma ofensa abominável, que jamais poderia ser perdoada.

O rei, talvez sem participar desse ponto de vista essencialmente feminino, achou que, de qualquer forma, se cometera uma monstruosa fraude, à sombra do nome da rainha. Era necessário que se fizesse barulho, para provar que a rainha não tivera nada a ver com a compra do colar. Não falou disso nem aos seus ministros. Também, não imaginou que, quando uma pessoa joga uma pedra na lama, quase sempre fica salpicada com os respingos.

Sem se aperceber, com suas mãos demasiadamente honestas, Luiz XVI cavou um abismo, onde iria precipitar, imprudentemente, a nobreza e a realeza. Cego por seu amor conjugal, julgou de boa fé, servir à justiça e ao bem público, ao mesmo tempo em que vingava a honra da rainha.

A 15 de agosto, dia solene para a Corte, pois era, ao mesmo tempo, dia da Assunção, dia da Festa da Coroa, colocada por Luiz XIII sob a proteção da Virgem, e, finalmente, dia de Maria Antonieta, o Cardeal Rohan deveria celebrar a missa em Versalhes, perante o rei, a rainha, todos os ministros, toda a nobreza reunida e grande massa popular, vinda expressamente para o ato, desde madrugada, de Paris e das cercanias.

A hora da missa aproximava-se. De repente, soube-se que o rei mandara chamar ao seu gabinete o Cardeal Rohan.

Ele compareceu em seguida, já revestido com a púrpura de seus paramentos pontificais, pois estava preparado para oficiar.

Encontrou reunidos o rei, a rainha, seu amigo Miromesnil, ministro da justiça, e seu inimigo, o ministro Breteuil.

Em cima da mesa, aberto, o relatório de Boehmer sobre a venda do colar.

O rei perguntou ao cardeal, o que significava essa aquisição de um colar de diamantes, que ele teria feito em nome da rainha?
Rohan empalideceu terrivelmente e disse que havia sido enganado, porém não enganara a ninguém.

O rei, respondeu que, nesse caso, ele não devia experimentar nenhuma inquietação. E pediu que se explicasse.
O Cardeal Rohan, como um homem que se afoga, lançou então um olhar angustiado sobre as pessoas que o cercavam.

Viu o rei calmo, incrédulo e severo, e o olhar cintilante de cólera da rainha, que não perdoava o fato dele haver duvidado da sua honra de mulher.

Sentiu-se perdido, e sua fisionomia exprimiu tal aflição que o rei, tomado de compaixão diante de seu silencio angustiante, mandou que ele escrevesse tudo o que fosse preciso esclarecer.

E saiu para a biblioteca, seguido da rainha e dos dois ministros.

O Cardeal Rohan estava só, diante de uma folha de papel em branco.

Escreveu, apressadamente, algumas linhas, em que explicava ter sido vítima de artimanhas de Mme. De La Motte.

Ao cabo de um instante, o rei voltou e passeou um olhar através do papel. Perguntou onde estava aquela mulher, e o Cardeal respondeu que não sabia.

Perguntou pelo colar e o Cardeal respondeu que estava nas mãos dela.

Perguntou pelas cartas, supostamente escritas pela rainha, e a resposta foi que estavam com ele, e eram falsas. Isso, o Rei respondeu que já sabia.

Houve um silêncio sepulcral.

O rei hesitou, quanto ao que deveria fazer.

No entanto, exatamente nesse momento, a Rainha Maria Antonieta, que, até então se contivera, desfez-se em soluços e, com uma voz que a cólera torna vibrante, censurou com veemência o cardeal, por ter podido pensar que ela fosse capaz de recorrer a ele, desprezando sua honra, para efetuar secretamente semelhante compra.

Luiz XVI, então, decidiu-se. O rei, sem dúvida, teria perdoado. Mas o marido condenou!

Enquanto a assistência observava, com surpresa, que a hora do ofício já havia passado, e que o cardeal não aparecia, o povo começava a se impacientar, sem compreender o que se passava.

De repente, a porta do gabinete se abriu, o Cardeal Rohan, muito pálido, apareceu no umbral e, atrás dele, ouviu-se a voz retumbante do seu inimigo Breteuil:

-Detenha-se o senhor Cardeal!

Os presentes ficam estupefatos!

Nessa noite, o Cardeal Rohan dormiu na Bastilha. Quanto à rainha, trêmula de indignação, repetia a todo o momento e em toda parte:

-É preciso que os procedimentos execráveis sejam desmascarados. Quando a púrpura romana e o título de príncipe ocultam apenas um negocista e falsificador, cumpre que a França e a Europa o saibam.

Não suspeitava ela que o Cardeal Rohan, quer ela quisesse quer não, fosse um dos esteios desse trono cintilante e frágil, no qual estava sentada, e que as ideias revolucionistas já explodiam em surdina. Não imaginava que não o abateria, sem que ele a arrastasse, fatalmente, na sua queda, e que, acontecesse o que acontecesse, sairia ainda mais caluniada, mais diminuída, mais maculada, e mais impopular desse escândalo estrondoso, que provocara com suas próprias mãos.

Mme. De La Motte foi presa, três dias depois do Cardeal Rohan.

Interrogada, julgou de boa tática acusar o Cardeal e se dizer inocente.

Quando se soube que o escândalo se referia, apenas, ao roubo de um colar, censurou-se o rei, por ter agido de modo tão brutal. Ou, melhor, censurou-se a rainha, pois ninguém se enganava, adivinhando logo que o golpe partira dela.

 

 

 

 

 

Violante Pimentel – Escritora

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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