O CONTADOR DE HISTÓRIAS –
Jorge Coelho da Silva, ou Jorge Silva como conhecido, era uma pessoa às vezes rude, mas, muito honesto, de uma enorme capacidade de trabalho e de uma ternura muito grande com os netos. Pernambucano, veio morar na Paraíba na cidade de Santa Rita a onde casou e constituiu família. Minha mãe teve o privilégio de ser sua filha.
Por pedido da família Ribeiro Coutinho, para aumentar o prestigio político no nordeste, veio morar em Natal e adquiriu o Engenho Boa Vista que ficava no município de São José de Mipibú. Uma paisagem muito bonita para as pessoas que ali chegavam. Um barracão no alto, a onde eram vendidos alimentos e outras utilidades para consumo dos operários. Descendo a ladeira, o engenho ficava logo a vista. Do seu lado direito a casa grande, uma igrejinha e as oficinas. Do lado esquerdo, ficava o armazém de açúcar bruto, a cocheira e o curral.
Pois bem, vovô gostava de sentar-se em uma cadeira de balanço e juntava os netos para contar histórias, algumas com o enredo totalmente infantil, outras como lição para o aprendizado da vida.
Na frente do engenho eram espalhados os bagaços da cana, em uma grande extensão e empilhados como pequenas pirâmides. Com a diferença de temperatura que existia entre a parte inferior e a parte superior, de manhãzinha, saia por cima dessas pirâmides, uma fina fumaça, proporcionado um belo visual.
Todas as manhãs perto das seis horas, iam todos tomar leite cru no curral. Vovô para que os netos não fugissem do seu controle, contava histórias que por ali moravam vários velhinhos afobados, e que aquela fumaça era dos seus cachimbos. Eles estavam deitados dentro da pirâmide, não queriam ser incomodados.
Entre as oficinas e a casa grande tinha um pequeno quarto com banheiro, onde morava uma velhinha que não fazia mal a ninguém, mas para que não fossemos mexer nas ferramentas e acontecesse um acidente, vovô contava que a velha Antonia que todos chamavam de Tonha, era uma velha feiticeira que comia as criancinhas. Aí aproveitava e contava várias histórias de bruxas.
Os netos da minha geração eram Mauricio Coelho Maia, Olavo, Frederico (Fred) e Fernando Galvão, Rivaldo, Luiz e Jorge Guimarães, Sérgio Coelho de Melo Lima, meu irmão José Maria leal, Roberto Coelho. Havia outros, mais velhos e mais moços, além das netas.
Mas as histórias de vovó não eram só de ficção, tinha lições de vida que jamais esquecerei. Certo dia me disse uma coisa que guardo comigo. – Meu filho não entre em um salão que estejam dançando valsa, para você dançar um samba. Dizia ainda que “direito tem quem direito anda”, certamente hoje ele não diria a mesma coisa. Mas a historia que ficou comigo, foi uma que ele me contou e que nos dias de hoje tem voltado a sua lembrança, pois é muito atual.
Certa vez um homem recebeu a visita de alguns amigos.
– Gostaria muito que nos ensinasse aquilo que aprendeste todos esses anos – disse um deles.
– Estou velho – respondeu o homem.
– Velho e sábio – disse outro. Afinal de contas sempre te vimos rezando durante todo esse tempo. O que conversas com Deus? Quais são as coisas importantes que devemos pedir?
O homem sorriu.
– No começo, eu tinha o fervor da juventude, que acreditava no impossível. Então, eu me ajoelhava diante de Deus e pedia para que me desse forças para mudar a humanidade. Aos poucos, vi que era uma tarefa além das minhas forças. Então comecei a pedir a Deus que me ajudasse a mudar o que estava a minha volta.
– Neste caso, podemos garantir que parte do seu desejo foi atendida – disse um dos seus amigos. – Seu exemplo serviu para ajudar muita gente.
– Ajudei muita gente com meu exemplo; mesmo assim, sabia que não era a oração perfeita. Só agora, no final da minha vida, é que entendi o pedido que devia ter feito desde o início.
– Qual foi o pedido?
– Que eu fosse capaz de mudar a mim mesmo.
As histórias de meu avô muito me servem hoje, embora pouco se fale nele. O alpendre da casa grande do Engenho Boa Vista seria um bom lugar para meditação de muito adulto que com passar do tempo, não percebeu a mudança e não modificou seus valores morais.
Guga Coelho Leal – Engenheiro e escritor, membro do IHGRN