O DRAMA DO BISSEXTO –
Sou bissexto, mas não vejo qualquer vantagem em sê-lo. Desde que me entendo por gente essa pecha me incomoda, a começar pelas mesmíssimas e chatas indagações anuais: “Esse ano você faz aniversário?”, “Quando será a comemoração: 28/02 ou 1º de março?” ou “Imagina!… Só aniversariar de quatro em quatro anos!”.
Nessas horas bem que eu gostaria de possuir o temperamento de um dos personagens de Chico Anysio, o Bim Bim, cearense de Maranguape, um destemperado por natureza, que quando acossado numa situação desagradável ele alertava o gozador falando pausadamente: Eu vou ter um atrito com o senhor!…
Sempre me esquivei de declinar a data em que nasci para não ficar na berlinda sendo alvo de chacotas. Encontrar um bissexto é tarefa difícil – em toda a minha vida eu só me relacionei com dois. Um deles afirmava ser mais fácil assistir um enterro de anão ou encontrar cabeça de bacalhau, do que se deparar com um de nós.
E mais, quando nos identificamos como bissexto o interlocutor finge tamanha surpresa, que mais aparenta haver avistado um alienígena; e, sempre recorre àquela expressão efusivamente imbecilizada: “É mesmo!… 29 de fevereiro!”.
Diz o zodíaco que o nascido no dia 29 do segundo mês de um ano bissexto é de Peixes. Mapas astrológicos dão conta que a água, o zinco, o inverno, o hipopótamo e Mercúrio são, respectivamente, elemento, metal, estação do ano, animal e planeta predominantes na vida de quem nasce no ano que contém um dia a mais no calendário. Descobri, também, que 29 de fevereiro é consagrado a Santo Osvaldo.
Mas, vamos ao que interessa. Introduzi esse preâmbulo para, mais uma vez, manifestar minha preocupação com o fato de ser bissexto. Serei claro! Estamos com a pandemia em todo vapor e a população na ânsia de ser imunizada, pois sabe que a diferença entre viver e morrer está na bendita picada. Por outro lado, vê-se a escassez de vacinas e a enorme desorganização na distribuição e aplicação da dose salvadora.
Ando imaginando se, após mais de um ano de espera, quando chegar a data estipulada para vacinar os idosos de minha faixa etária, e eu me dirigir a um desses postos de saúde, o atendente vier me questionar sobre a idade. Será bastante factível de ocorrer o diálogo abaixo:
– Por favor, a sua identidade e o comprovante de residência…
– Pois não! – respondo apresentando o que me foi cobrado.
– Qual foi mesmo o dia que o senhor nasceu?
– 29 de fevereiro. Algum problema?
– O problema é que no calendário não existe esse dia – retruca a figura.
– Senhor, outro 29 de fevereiro somente aparecerá no calendário daqui a três anos. Eu sou bissexto! – tento explicar.
– Aqui não interessa a preferência sexual do paciente. Somente a data de nascimento para saber se a pessoa se encaixa ou não nos critérios da vacinação. Portanto, volte daqui a três anos!
– Eu disse que sou bissexto, não bissexual. Se o senhor não sabe o que é bissexto, não pode estar aqui, e mais: “eu vou ter um atrito com o senhor!”
Receio minha reação, se acaso ele, com o poder do qual deve estar investido no atual estado de quase guerra do país, convocar a polícia do posto e pedir:
– Levem daqui este velho bissexual ou bissexto – é tudo a mesma coisa! -, pois está contaminado e ameaçando infectar a todos da fila, se não for logo vacinado.
Acham impossível? Pois sim! Hoje acontece de tudo no Brasil.
José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor
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