O ESTADO BABÁ E O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO – Geraldo Ferreira

O ESTADO BABÁ E O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO – 

A filósofa Montserrat Herrero escreve “É preciso entender o espaço político hoje como uma trama linguística, onde diversos atores lutam para apoderar-se do significado das palavras”, e a palavra central da política é Direito. Daí emerge toda política, que procura carregar de conteúdo e significado essa palavra. Ninguém esclarece porque uma coisa que requer é um direito, mas todos querem um direito para chamar de seu ou de seu grupo. Antes, o Direito surgia de alguma referência, Deus, Comunidade, Razão, Povo, as mesmas fontes de onde se originava o poder. Perdidas essas referências, resta à palavra Direito aflorar de outra fonte, os direitos passam a emanar dos desejos, passando a ser um produto político da sociedade de consumo. Pró ou contra algum suposto direito; esse é o par atual de opostos amigo ou inimigo. Os desejos que se convertem em direitos hiperparticularizados de minorias cada vez mais fragmentadas, se revestem, em ação de marketing, como direitos humanos, mas como não repousam na humanidade do sujeito desse direito, mas numa particularidade singularíssima, por vezes irrisória, esse direito soa para o conjunto atônito da sociedade como farsa. A política se transformou numa corrida por conquista de direitos, que surgem toda hora, em todo lugar, por vezes se chocando com outros e se contradizendo. Antes, uma necessidade gerava um direito, hoje um desejo gera um direito. Agustín Laje escreve “os direitos são um objeto de consumo a mais”, daí o fácil engajamento das grandes marcas, “mas se os desejos são infinitos, a demanda por direitos passa a ser também infinita, direitos sexuais e reprodutivos, direitos à identidade de gênero, direitos menstruais, direito ao orgasmo, direito à autorrealização, direito ao ócio, direito às drogas, direito ao aborto, direito de morrer”, cabe tudo no balaio da busca da felicidade, que para alguns é também um direito. E sem o afinco da busca, mas simplesmente ou absurdamente o direito à felicidade. Resistir a este contexto é impossível, porque os Estados nacionais, à força da política, se transformaram em Estados Babás, como os chama Agustín Laje, responsáveis por proverem felicidade e bem-estar. E tudo deve ser provido por leis e pelo Estado Babá. Para este Estado imenso, tutor e provedor, o poder deve ser dócil, amável, garantidor de quereres e prazeres, não pode ordenar, nem disciplinar, esta é a forma de manter o indivíduo em sua infantilização e seu desejo de não deixá-la jamais. A Escola foi arrastada para este epicentro, a educação não deve ser para a autonomia, é preciso evitar as dificuldades de pensar e as dores de viver. A Educação parece caminhar para um ensino não cognitivo, sem substância racional ou intelectiva, voltada para a doutrinação dos direitos e sentimentos, verdadeira escravidão psicológica e intelectual, sem qualquer perspectiva de emancipação. Em Maquiavel Pedagogo, Pascal Bernardin fala dessa revolução pedagógica, comandada por organismos internacionais que sonham com uma ética direcionada à criação de uma nova sociedade. Esse novo Ensino se volta a anular a influência da família, substituída pela do grupo de pares, e à asfixia ou subordinação de qualquer ensino livre a estas diretrizes. O papel da escola passa a ser oferecer “um ensino multidimensional, sobretudo ético, cultural, social, comportamental, político e espiritual”. Quanto ao conhecimento intelectual, racional e cognitivo, a escola é instigada para a compreensão de que “é preciso romper com a concepção elitista, ancorado na mentalidade da família e da sociedade, que o ensino deve privilegiar os aspectos acadêmicos”. “O desmoronamento do nível escolar é, pois, a consequência inelutável dessa redifinição da escola”, denuncia Bernardin. Um dos padroeiros dessa visão é John Dewey, pai da pedagogia moderna. Para haver socialização é preciso depreciar o pensamento individual e a instrução, sendo necessário a destruição da cultura, da erudição e da inteligência. Em Democracia e Educação ele torna ainda mais claro o que pensa “a acumulação de fatos e saberes tende a se transformar em egoísmo”, “a simples aquisição da ciência não fornece qualquer ganho social nítido.” O Estado para conduzir todo processo em busca da perda da autonomia do cidadão, transformado em dependente e idiota, deve usar o convencimento, a cooptação, buscando inculcar nele, via escola, associações, mídias, os valores, atitudes e comportamentos definidos. Em caso de resistência, a criação de leis se oferece como caminho de constranger à aceitação. O Estado Babá abre espaços para os desejos, direitos e prazeres, com a suspensão de todas as proibições. Ele deve “divertir, entreter, comover, emocionar, ensinar a falar, a consumir, como drogar-se, fazer sexo, como cuidar da saúde, vigiar calorias, sal, açúcar”, escreve Agustín Laje. O que este Estado deseja evitar para para seus cidadãos é a liberdade e a autonomia, porque isso implica deveres e responsabilidades. O Estado, convertido em Babá, regrando e tutelando até o final da vida seus cidadãos, conclui Laje “vai ditando e repartindo direitos, e o faz de modo a que cada vez mais inche em grandeza e a dependência que vai criando e espalhando anule o desejo de ser livre e autônomo.” Não pode haver repressão no Estado Babá, só manipulação, não pode ser dito não faça isso, mas faça dessa maneira. A política morreu com a morte dos Estadistas, nada resta a não ser a questão de distribuir direitos. A servidão muitas vezes pode vir disfarçada de direitos, em Admirável Mundo Novo, publicado em 1932, Aldoux Huxlei desenha um mundo totalitário, a distopia é uma farsa acolhedora abraçada pela própria população, confortável em sua alienação e ignorância. Não há espaço para insatisfações contra o governo porque não faltam opções tentadoras e convenientes para manter a sociedade distraída. Apelidado de Selvagem, o personagem John é introduzido em um ponto de ruptura da história. Ele se opõe àquele mundo condicionado de forma biológica e psicológica. O diálogo no final do Livro entre o “Selvagem” John e Mustapha Mond é uma ode à Liberdade: “Mas eu não quero conforto. Eu quero Deus, eu quero poesia, eu quero perigo real, eu quero liberdade, eu quero bondade. Eu quero pecado”. “Na verdade”, disse Mustapha Mond, “Você está reivindicando o direito de ser infeliz.” “Tudo bem, então”, disse o Selvagem desafiadoramente, “Estou reivindicando o direito de ser infeliz.”

 

 

 

 

Geraldo Ferreira – Médico, Pres. SinmedRN

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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