O ETERNO RETORNO –
O humorista João Claudio Moreno, entrevistado, declarou que tinha sido uma grande perda para ele a morte da sua mãe. Isto porque a presença dela na sua vida representava a possibilidade de ter sempre um lugar para onde voltar; diante das lutas, do trabalho, das cotidianas e estafantes ocupações, o colo materno se constituía no refúgio seguro e certo onde ele poderia se aconchegar e descansar. Acho que todos nós temos um pouco dessa impressão; a mãe, como mentora e eterna guiadora, será sempre um porto seguro para o filho carente e dependente do regaço natural e social, a proteção que nunca negou o seio receptivo e provedor.
A minha mãe nos deixou – a mim e a cinco irmãos, aos pouco mais de 42 anos de idade. Tinha sido para nós uma grande protetora, instruidora e zelosa que, pela inconstante presença do nosso pai, tornara-se a dona do lar, a responsável pela casa, pela proteção e disciplina domésticas. Fora educada e formada no ensino hoje chamado médio, e cultivava interesse pelas letras e pelas artes, o que a tornava uma mulher especial, admirada por parentes, amigos e vizinhos, em razão dos seus dotes intelectuais.
Tive uma amiga que, em virtude da sua inquietude, ânsia de viver e um confuso espírito de liberdade, queixava-se da mãe pelo fato desta interferir nas suas atitudes e tomadas de decisão; reagia contra os conselhos maternos porque eles eram sempre contrários às suas opiniões. Ela até havia reprovado um seu namorado, porque não confiava no rapaz. A moça, em violento desabafo, afirmara com ira e revolta: ela me odeia!
Eu sempre argumentei que, a despeito de modernos procedimentos legais que orientam as relações paternas, devemos nos lembrar de que pais e mães – salvo casos raros – estão sempre preocupados com o bem estar e a segurança dos seus filhos; querem e lutam pelo melhor para os descendentes. Dificilmente uma mãe negligencia o cuidado materno, e jamais odiaria um filho, mesmo que pudesse ter razões para isso. Não sei se aquela filha, por meus conselhos e opiniões ou convencimento próprio, mudou de ideia com relação à sua mãe, porém é fácil notar que modernamente crescem os casos de rebeldia dos filhos. Talvez porque estamos construindo um novo tipo de sociedade, uma nova forma de relacionamento em que valores cultivados e aceitos em épocas e idades pretéritas estão sendo substituídos por um novo contrato social, caracterizado por um individualismo hedonista ou pela submissão à ditadura da informática, quando entregamos os nossos anseios e decisões aos algoritmos que, decisivamente, já governam a nossa vida. As relações familiares – fraternais e paternais, sofrem e também estão sujeitas a essas transformações. Não teriam mais o mesmo valor o zelo de um pai, um carinho de mãe?
As palmadas, as cintadas e puxões de orelha, punitiva e diligentemente aplicados por Dona Olga, nunca fizeram arrefecer, um mínimo que fosse, o nosso amor filial. Ela foi e continua sendo presença, refúgio, porto e ponto de chegada, não obstante os quase cinquenta anos da sua morte. Não acontece isso com a maioria dos filhos? Não é essa a impressão que deixa a maioria das mães? Em algum momento da vida um filho perde esse contato visceral, espiritual, alimentado por uma presente, imorredoura e inexplicável saudade?
A nossa mãe teve grande importância na minha vida. E sua presença ainda me faz falta. É por isso que eu não abro mão da minha saudade; e não quero prescindir desse contato, dessa carência que me faz voltar ao seu regaço, imaginar-me em seu colo protetor, em um constante e eterno retorno.
Alberto da Hora – Escritor, músico, cantor e regente de corais
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