O FUTEBOL DE HOJE I –
Não tem nenhum sentido nostálgico e nem de saudosismo, o que vou discorrer neste artigo, e, sim, tem a mais pura observância de quem viveu e vive o dia a dia do futebol brasileiro nesses últimos cinquenta anos.
Fui praticante do futebol potiguar da década de 60. De um futebol pobre, sem televisão, sem dinheiro, sem patrocinadores e com pouca ou nenhuma arrecadação associativa.
Um futebol que se dizia “profissional” , de contratos engavetados, sem carteira assinada, portanto, sem nenhuma garantia trabalhista. Por outro lado, um futebol alegre, solto, vibrante, essencialmente competitivo e vitorioso.
Os times não tinham comissões técnicas; se contentavam com um unido e disposto triunvirato: o técnico, o massagista e o roupeiro; quando muito, um preparador físico ( geralmente um militar), ofício que era exercido na maioria das vezes, pelo técnico de futebol.
Usávamos um uniforme pobre e escasso, feito de tecido grosso e pesado que facilmente se encharcava durante os jogos. Não se usava a prática de mudar de uniforme para o segundo tempo do jogo. Trocar de camisa com o adversário, como um ato de gentileza e de fraternidade? Nem pensar. Iria desfalcar o conjunto para um próximo jogo.
As chuteiras usadas eram de fazer “dó”, couro grosseiro, muito pesadas, sem conforto nenhum ( peguem calos ) e ainda de sobra alguns preguinhos furando os pés.
A bola era pesadona, de cor marrom, de costura bem saliente e grosseira. Quando acontecia de chover durante um jogo, o seu peso triplicava e aumentava mais ainda a dor ao cabeceá-la.
Fazíamos três treinos por semana (dois coletivos e um físico). Usávamos o sistema clássico do 4x2x4. Os jogos eram realizados às quartas-feiras e aos domingos. Jogávamos com os pontas bem abertos e eram sempre eles os grandes artilheiros.
Os campos de futebol (assim chamados) eram um misto de areia, barro e muito capim, que escondiam os seus numerosos buracos. A sua iluminação, quando existente era muito precária e insuficiente.
A arbitragem era feita pelo árbitro principal e dois bandeirinhas ( assim mesmo chamados); não existiam os cartões disciplinares, tudo era feito no peito, na raça e no grito. A prática dos cartões disciplinares só veio a ser utilizada no ano de 1966, na Copa do Mundo, na Inglaterra.
Existiam as gratificações por vitórias ( os chamados bichos), pagas após as partidas — era o chamado o “dinheiro suado” — com a minguada renda da bilheteria do jogo.
Concentrar para jogar, nem pensar! Uma complicação grande, uma pobreza franciscana. No final da década de 1960, na disputa do título do campeonato da cidade de 1967, o time do América FC, se “concentrou” no subsolo da sede social social: área pequena, estreita, quente e com pouquíssima iluminação ( chamada de concentração ). Cruel!
Era esse o nosso mundo do futebol: pobre, divertido e autêntico.
Berilo de Castro – Médico e Escritor, [email protected]