O FUTEBOL É UM ESPORTE? –
Certo dia, em documentário na TV sobre a prática do futebol americano em uma cidade da Alemanha, um jovem entusiasta, perguntado sobre a preferência pela modalidade, e não pelo futebol tradicional, respondeu que este não era realmente um esporte, mas apenas um jogo, portanto, não era divertido.
Tentado a concordar, lembro do tempo em que frequentavam-se os estádios com a intenção desse divertimento e para admirar a performance de conhecidos e aclamados jogadores. Eram aqueles malabaristas da bola, aqueles bailarinos de chuteiras que atraíam as atenções dos torcedores nas ensolaradas tardes de domingo, em disputas amistosas ou válidas por algum campeonato local. O jogador, a bola, a beleza das jogadas e, naturalmente, o resultado das partidas era o que produzia a catarse aristotélica, o prazer e o deleite coletivos.
Atualmente, provocados pelo interesse dos patrocinadores, aumentou o número de campeonatos, as praças foram ampliadas e sofisticadas, o chamado futebol association tornou-se um evento milionário e altamente rentável para dirigentes e profissionais da mídia, os jogadores profissionais passaram a valorizar comercialmente sua capacidade, a pretender melhores ganhos e até amealhar fortunas. Os clubes tornaram-se empresas e a natural intenção dos lucros modificou a natureza das disputas, a característica dos atletas, que agora muito distantes das cultivadas habilidades do passado, buscam reconhecimento pelo desempenho através de mera e duvidosa eficiência em campo. Hoje, os jogadores mais celebrados, alguns eleitos e considerados melhores do mundo são reverenciados apenas por alguns fundamentos básicos, como força e velocidade ou a quantidade de gols que conseguem fazer. E ninguém se incomoda se tenham cinturas e pernas duras ou a desenvoltura de um joão-redondo. Importam somente os resultados, as vitórias, os títulos conquistados. Não são mais esperados – ou necessários – os grandes e belos lances, os dribles, as fintas. Um chapéu, uma caneta, um rabo-de-vaca, agora são considerados ofensa pessoal ao adversário. Todos já vimos alguns atrevidos serem praticamente linchados durante um jogo, por aplicarem essas firulas. Nenhum jogador gosta de ser humilhado em campo, é compreensível, mas antigamente a situação era resolvida, de maneira discreta e reservada, entre os dois envolvidos. Quem jogou, sabe que era assim.
De roldão, as torcidas também foram levadas a modificar o comportamento. Muitos transformaram o tradicional e festejado amor pelo clube em pretexto para demonstrações de violência e intolerância contra os times e as torcidas adversárias, para alguns grupos radicais, tornados inimigos mortais. Hoje, não prevalecem mais a efusiva, porém passageira, alegria e felicidade pelas vitórias, o júbilo pelas conquistas, mas a procura por uma realização pessoal, como se os triunfos lhes fossem inerentes, lhes pertencessem por direito.
Como velho saudosista, recordo quando, em dias de jogos da clássica rivalidade entre ABC e América, desde o Estádio Juvenal Lamartine, as torcidas rivais desciam em direção às Rocas, misturadas, os vencedores galhofando com os perdedores, e não tenho lembrança de nenhum atrito violento, de ninguém interessado em um desforço pessoal como reação às inevitáveis zombarias.
Claro que é impossível voltarmos às situações do passado. Como outras atividades sociais, os esportes também sofreram inexoráveis mudanças. Por culpa de várias delas, não vou aos estádios há 25 anos. Pela televisão, vejo muito pouco. O comportamento dos torcedores, a queda da qualidade e o até aceitável mercenarismo dos jogadores profissionais, são alguns responsáveis pela minha ausência. Eu ainda os frequentaria, se pudesse ver em campo Pelé, Garrincha, Gérson, Tostão, Zico, Sócrates, Rivelino, Roberto Dinamite. Em Natal, Jorginho, Alberi, Véscio, Esquerdinha, Drailton, Élcio, Didi Duarte, e outros mágicos que encantavam plateias, no tempo em que o futebol, amador ou profissional, ainda era um lúdico e atraente esporte.
Alberto da Hora – escritor, cordelista, músico, cantor e regente de corais