O GALO E A VENTANIA –

Hoje mudo de estilo e escrevo um artigo no mínimo inusitado, quase hilário. É que no flat onde estou morando escuto toda hora um galo cantar. Ele é de uma vizinha que mora numa casa abaixo do edifício. E ele não canta só no início das manhãs, como seria normal. Canta todas as horas, inclusive na parte da tarde. Por isso perturba muito e chega a dar agonia. Essa qualidade dele é digna de registro, tanto que estou escrevendo este texto sobre o galo e seu canto.

Fico pensando se todos os galos cantassem como esse daqui. Eles estariam indiscutivelmente nas panelas dos vizinhos. Apesar de galo ter uma carne dura e não chegar nem perto do sabor que tem a galinha. Mas o daqui canta pelos cotovelos e nessa época de confinamento seu canto perturba e atrapalha não só a mim, mas a todos os outros moradores do prédio.

No meu caso, fazer as entrevistas do programa Ponto de Vista via Skype, é um martírio. O seu canto rompe barreiras e chega até o local onde estou gravando. Fico com medo de misturar ele com o entrevistado. O que iriam pensar? Que eu estaria entrevistando um galo ou que a entrevista estava sendo feita direto de uma granja. Tem me dado muito trabalho impedir essa interferência mas até agora tenho conseguido sucesso.

Além do canto do referido galináceo, outro fenômeno passou também a fazer parte do meu dia a dia. Uma ventania por aqui que nunca tinha visto antes. Rajadas de vento fantasmagóricas que me fazem até sentir medo, acompanhadas de um frio de congelar os ossos. Meus vizinhos sabem do que estou falando. O vento, além de forte, cria um barulho ensurdecedor e nessas horas não posso sequer ir à varanda. E fico dentro do flat ouvindo o som produzido nas frechas das portas e janelas. Num verdadeiro sobressalto.

Semana passada num final de tarde fui até a área externa do flat, que chamamos de “laje” e me veio um pensamento tétrico na cabeça. Ao ouvir o galo, acompanhado pela rajada de vento, fiquei imaginando um pior cenário. Que tal pedir para alguém dar um tiro nele daqui de cima? Ou talvez, quem sabe, se a ventania levasse o galo voando para longe daqui? Esse último seria o melhor dos mundos.e eu não sentiria remorso.

Eu estava pensando nisso quando de repente o tal do galo deixou de cantar. e a ventania amainou.Sem ouvi-lo, nem ao barulho do vento, me senti culpado daquilo de ruim que havia desejado antes. Assim, olhei complacente do alto para o quintal da sua casa, e entrei na sala do apartamento bastante aliviado. Sem vento e sem o cantar do galo, de repente a noite chegou de forma suave e silenciosa. Pensei que nunca mais teria problema, pelo menos quanto a ventania. Quando menos esperei já era a hora de dormir. E no silêncio dormi o sono dos justos.

Mas as quatro e meia da manhã, o problema recomeçou. Novamente despertei na madrugada ouvindo o canto do galo e a barulho da ventania na janela. Meu Deus, que coisa! De nada valeu ter sentido remorso em pensar as coisas terríveis contra o galo. Imediatamente voltei a desejar que um vendaval levasse ele embora. Seria melhor que encomendar seu assassinato. Ou talvez que a sua dona mudasse de casa, a menos traumática solução.

Desde então tenho pensado só nisso. E torço por uma solução, qualquer que seja, pois o problema voltou com gosto de gás. Tanto que estou usando este espaço para fazer o inusitado registro. Por isso espero que essa situação se normalize. Sem o galo e sem a ventania. Só assim eu e os meus vizinhos voltaremos a ter a tão sonhada paz.

 

 

Nelson Freire – Jornalista, editor do Blog Ponto de Vista, Economista e Bacharel em Direito

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