O GIGANTE CHICO PEREIRA –

Francisco das Chagas Pereira, meu pai, nasceu em Timbaúba dos Batistas, na época, distrito de Caicó. Anunciou sua chegada ao mundo, em 28 de novembro de 1934, e, nos deixou precocemente, em 10 de setembro de 1999, antes de festejar os seus 65 anos de vida.

Neste próximo, 28 de novembro de 2024, “O Gigante Chico Pereira”, completaria exatos 90 anos. Envolvido num sentimento de muita saudade e gratidão resolvi compilar algumas informações a seu respeito e publicar este texto como uma modesta homenagem ao meu pai querido.

Era ele o filho caçula de José Delfim de Araújo (Zé Quindim) e Izaura Izaurita de Araújo. Ao todo quatro filhos que viviam numa pobreza quase extrema. Minha avó, uma dedicada dona de casa, ao passo que meu avô, trabalhador braçal, sustentava a família fornecendo água para casas e pequenos pontos comerciais. Conduzia essa água de açudes distantes em lombo de jumentos. Nunca conheceram vida fácil.

Até hoje, nem eu, nem minha mãe, nem meus irmãos sabemos o porquê de aquele menino rechonchudo nascer com uma inteligência diferenciada e o desejo inquietante pelo estudo e pela cultura. Possivelmente, herança de sua origem judaica.

Para os que acreditam nos astros parecia que aquele sagitariano trazia qualidades marcantes do signo, protegido por Zeus, porquanto detentor de ideias, sonhos e concepções superiores.

Geraldo Batista, um seu contemporâneo, amigo e escritor, publicou em seu livro “Lembranças”, um capítulo intitulado o “Grande Chico”. Nele, entre outros fatos, relatou o seguinte:

“Quando Chico tinha dez anos de idade, o bispo de Caicó, Dom José Delgado, ao fazer uma visita pastoral em Timbaúba dos Batistas, foi visitar uma escola e perguntou à professora quem era o menino mais inteligente.

– É aquele gordinho ali, respondeu, a mestra.

– Pois eu vou levar esse garoto para o Seminário.”

O bispo falou com sua família e meu pai virou seminarista na marra.

Comentaram que ele, muito apegado à mãe Izaura, chorou durante semanas, mas em pouco tempo descobriu ter sido aquele gesto divino que moldou a sua vida futura, porque ao concluir o Seminário Menor, em Caicó, foi cursar Filosofia no Seminário Arquidiocesano da Paraíba.

Após anos de aulas de História, Latim, Cantos Gregorianos e outras tantas matérias, meu pai intuiu que sua vocação apontava para outra direção: o mundo acadêmico. Recife seria o destino natural naquele momento. Do seu tempo em João Pessoa restou a lembrança de muitos amigos e uma placa comemorativa de seus méritos como o melhor aluno de Filosofia do denominado Seminário Maior.

Na Universidade Federal de Pernambuco submeteu-se a dois vestibulares: Letras Neolatinas e Direito. Sua formação acadêmica na área jurídica ocorreu em faculdades de Recife e do Rio de Janeiro. Porém, o curso de Letras Neolatinas foi o ponto de partida para a sua jornada vitoriosa como educador e professor. O bacharelado ficou enriquecido com a licenciatura o que motivou uma láurea ao final do curso.

Ganhar uma bolsa de estudos na Maison de France, no Rio de Janeiro, foi o resultado para tamanha obstinação pelas letras. Lá especializou-se em Literatura Francesa no Centre d’Etudes Supérieures de Français. Ao final de curso elaborou a Memória do aprendizado sob o título “Le Jaillissement de a Vie dans L’Univers de Germinal”, o que lhe valeu nova bolsa de estudos na Sorbonne, em Paris, para especialização no Cours de Préparation de Professeurs de Français à L’Étranger.

Em 1960, retornou ao Rio de Janeiro para concluir os dois últimos anos do curso de Direito. A aprovação em concurso público para o Ministério do Trabalho, ao qual se submetera antes da estada em Paris, lhe garantiu a sobrevivência na Cidade Maravilhosa.

Nessa sua estada no Rio de Janeiro, conheceu Selma Pereira, minha mãe, eterna companheira, a mulher de sua vida. Selminha, por sua vez, sempre foi virtuosa nas coisas do intelecto. Viviam ambos como eternos apaixonados. Tal sentimento saltava aos olhos dos que o rodeavam. A admiração recíproca de que desfrutavam na vida a dois foi a força motriz desse encontro de almas.

 Quando retornaram a Natal, em 1962, meu pai, um vocacionado para a vida pública e para o magistério, naquele mesmo ano e mediante concurso público, assumiu a cadeira de Linguística no curso de Licenciatura em Letras, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN. Ano seguinte, também mediante concurso público, preencheu a vaga de professor de Português da antiga Escola Industrial de Natal, percursora do atual Instituto Federal do Rio Grande do Norte-IFRN.

Tanto na Escola Industrial quanto na UFRN assumiu cargos relevantes de chefia. Basta-nos citar as duas experiências como pró-reitor da UFRN, nas gestões dos reitores Genário Fonseca e Domingos Gomes de Lima, respectivamente, nos períodos de 1972-75 e 1975-79.

Intelectual de muitas facetas, ensaista e crítico literário, quando na direção do Departamento de Letras da nossa Universidade, difundiu a literatura de seu estado. O resultado dessa iniciativa foram as publicações de livros, de sua autoria, sobre Ferreira Itajubá, Eloy de Souza e Jorge Fernandes. Como se não bastasse, traduziu dois livros de Nísia Floresta: “Itinerário de uma Viagem à Alemanha” e “Três Anos na Itália Seguidos de uma Viagem à Grécia”.

Além da notável contribuição à cultura do Rio Grande do Norte, meu pai marcou presença em diversos foros educacionais como o Conselho Estadual de Educação, ao qual pertenceu por doze anos, dois dos quais como presidente.

Em 1977, obteve o grau de mestre em Linguística, fornecido pela Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, resultado da dissertação intitulada “Em Torno dos Verbos de Mudança de Estado em Português”. Em seguida concluiu um curso de Especialização de Ensino na Universidade de Brasília.

Realizado por sua formação humanística, no campo da Filosofia, adquirida do tempo dedicado ao Seminário Maior, ele resolveu direcionar a mesma obstinação para duas outras vertentes distintas: a Educação e o Direito.

Na meia-idade advogou na esfera trabalhista. O fez com tamanha competência que provocou manifestações de respeito e admiração de afamados juízes do Trabalho do nosso estado, dentre eles Alvamar Furtado, Francisco Fausto e Aluízio Rodrigues, sendo instigado para ingressar na magistratura trabalhista. Meu velho Chico sentiu-se motivado a enveredar por um novo desafio numa nova missão.

Seus inúmeros títulos foram todos assentados na ciência da Educação. Todavia, somente enveredaria naquela empreitada, vivenciando a fundo o Direito, enriquecendo o seu currículo na área. E assim o fez. Dedicou-se ao magistério jurídico a partir de 1985, assumindo a cadeira de Direito do Trabalho I e II, na UFRN; e, de Direito Processual Civil, na Universidade Estadual-UERN.

Mediante exaustivo esforço, encontrou tempo para estudar e se submeter a concurso promovido pelo Ministério Público Estadual sendo aprovado, como sempre, em primeiro lugar. Foi convocado pela Procuradoria Geral para atuar na Comarca de Natal, o que enriqueceria o seu currículo jurídico. Declinou do convite porque o seu projeto profissional estava lastreado na magistratura trabalhista.

Eis que apareceu a oportunidade de ver realizado o seu sonho. O Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, com sede em João Pessoa, abriu concurso para juiz. Meu pai se inscreveu e obteve mais um primeiro lugar. Dessa vez empatado com uma colega de profissão pela qual nutria enorme estima: Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro.

A “doutora” Perpétua ganhou a primeira colocação na prova de títulos, ficando meu pai com a segunda vaga. Ao ser criado o Tribunal Regional do Trabalho no Rio Grande do Norte (21ª Região), os juízes citados retornaram para o estado de origem de ambos.

Francisco das Chagas Pereira, meu velho pai, alguns anos depois galgou a segunda instância, tornando-se desembargador da Corte. Assumiu a presidência do TRT de Rio Grande do Norte, em julho de 1996.

Em pleno exercício da presidência descobriu um grave tumor no cérebro o que o impediu de continuar com a sua bonita jornada de trabalho, recheada de grandes virtudes.

Ao despedir-se desta vida deixou um legado marcante de honradez, critério, humanidade e postura profissional, impagável exemplo para filhos e netos.

 

 

 

 

 

Fabiano Pereira – Arquiteto e Urbanista

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