O HOMEM DA MALA –

Muitos já ouviram falar do homem da mala. Tempo da época da loteria esportiva. “Jabá” solto, franco e forte. Da compra de resultados no futebol.

O meu relato lembra e retrata a presença da mala 007 como protagonista maior.

O fato ocorreu no início da década de 1970, quando debutava na atividade médica empresarial, como Coordenador dos serviços médicos da Associação dos Servidores Civis do Brasil (ASCB), uma espécie de Plano de Saúde de hoje, como representante legal da empresa contratada à Laboclínica Birem Ltda.

Fazíamos atendimento em algumas especialidades na própria sede, na rua Jundiaí, área hoje pertencente ao Instituto de Radiologia de Natal; como também com credenciamentos em consultórios externos em clínicas de outras  especialidades; um laboratório de análises clínicas para realização de exames para os associados.

Nessa última atividade, fazíamos, com algumas empresas parceiras, o serviço de coleta de material “in loco”, inclusive de fezes.

Contávamos com um competente  funcionário, que se encarregava de colher esse material diretamente na empresa contratada.

O trajeto, não muito curto, era percorrido de ônibus da linha normal urbana. O nosso servidor conduzia uma mala 007 para trazer o material fecal colhido. A coleta era feita em pequenos depósitos; alguns bem arrumados, outros nem tanto. Outro detalhe: o material recolhido (fezes) ora  vinha em estado sólido, ora pastoso, ora em forma líquida, chegando a derramar no interior da mala 007, o que motivava a exacerbação da evaporação da inhaca “bostal”, impregnando com força todo o ambiente do veículo condutor.

As coisas foram acontecendo e piorando, com um detalhe: os passageiros eram quase sempre os mesmos, pela coincidência do horário (de manhã cedo); já não suportavam mais, chegando a sentir ânsias de vômitos no pós-café.

O dedicado servidor, com sua mala 007 preta, um tanto já desconfiado, subia no ônibus, cabisbaixo, ia bem rápido se sentar no último banco. Os passageiros cada vez mais se afastavam do homem da mala acatingada, com o gesto nada simpático: com os dedos fechando o nariz.

Final da história: o nosso serviçal foi chamado pelos motoristas, a pedido dos passageiros, para não mais circular naquele percurso com a sua inseparável mala 007, elemento indispensável para o cumprimento do seu ofício.

Após tomar conhecimento da ocorrência pelo próprio contínuo, resolvemos entregar o serviço a um outro laboratório; assim, o servidor achou por bem e merecidamente entrar com o pedido de aposentadoria por justa causa, com direito a insalubridade e periculosidade. Queixou-se diante da  perícia do Ministério do Trabalho, que nunca mais deixou de sentir a inhaca fecal (narinas impregnadas) e, portanto, se considerava um homem inválido permanentemente para executar  qualquer tipo de  trabalho.Pedido aceito, deferido e muito bem justificado.

E a mala tomou o seu verdadeiro lugar de descanso: foi enterrada, muito bem enterrada, com todas as honras pelos bons serviços prestados à  empresa; e o local arenoso a qual foi sepultada transformou-se  em  uma  fértil área adubada  onde crescerão  muitos pés de canela-bosta (Ocotea crymbosa).

 

 

 

 

Berilo de Castro – Médico e Escritor,  [email protected]

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