O IMPÉRIO NEGRO DE KUSH – Tomisla R. Femenick

O IMPÉRIO NEGRO DE KUSH –

A historiografia tem dado muito pouca atenção a alguns povos. Este é o caso dos kuchitas (cuxitas) uma das mais antigas e estruturadas culturas da África Negra. Eles habitavam a antiga Núbia, região que atualmente é o sul do Egito e o norte do Sudão, situada ao longo do rio Nilo. Suas terras incluíam, ainda, áreas desérticas a leste e a oeste do vale do Nilo, até as cercanias do mar Vermelho e do deserto da Líbia. Embora alguns pesquisadores tentem atribuir ascendências mediterrânica, amarela ou mista aos kuchitas, a Núbia era, e é, uma terra povoada por negros.

Suas relações com o Antigo Egito retroagem a épocas situadas entre 5000 e 3000 a.C., de tal forma intensas e permanentes durante toda a sua existência, que “a história da Núbia é quase inseparável da do Egito” (SHERIF). Durante a primeira dinastia, os egípcios se impuseram no norte da Núbia, com o intuito de controlar o tráfico de algumas mercadorias. O resultado natural foi que os kuchitas absorveram muitos dos costumes egípcios, inclusive a religião e a construção de pirâmides, embora não tão grandiosas.

O primeiro reino Kuch teve por sede a cidade de Kerma (Querma), que já existia por volta de 2400 a.C. Ali eram vendidas as mercadorias do norte e do sul do rio Nilo: produtos manufaturados no Egito, bem como mercadorias naturais da Núbia.

Durante o Segundo Período Intermediário, o período de decadência do poder dos Faraós, houve o ressurgimento do reino Kuch. Tão logo o Egito se recuperou politicamente, voltou-se contra os kuchitas, impondo-lhes uma derrota militar, obrigando os vencidos a pagar tributos. Em apenas três anos a Núbia enviou ao Egito cerca de 750 quilos de ouro. “Por outro lado, certos elementos culturais núbios seguiram também a rota das caravanas, e numerosos deuses e deusas do sul passaram a integrar o panteon egípcio, como o deus carneiro Jnun”(KI-ZERBO).

O processo de fortalecimento do reino de Napata tinha como base uma organização administrativa que sofria grande influência egípcia, mas tinha as suas tipicidades. Por exemplo, o rei era um autocrata absoluto e, ao contrário dos Faraós, não dividia ou delegava poderes para nenhum membro do estamento governamental ou religioso. Os vizires e sacerdotes eram meros subalternos do rei. Outra base do crescimento foi a economia, centrada na exploração agrícola, pecuária e na mineração, para o que contavam as técnicas de trabalhos metalúrgicos e de comercialização de produtos, com um forte contingente de artesãos e uma população relativamente urbanizada. Em 767 a.C., um dos seus reis derrotou os egípcios, assumiu o governo do país, instituiu a XXV dinastia egípcia, fato que fez com que cinco núbios ocupassem o posto de Faraó do Egito. Note-se que, embora tenha havido uma grande troca de culturas e costumes, nunca houve uma união total desses dois povos nem dos dois governos. Mesmo durante o período de domínio núbio no Egito, continuaram com identidades paralelas, apesar das tentativas de união política. A dominação núbia sobre o Egito perdurou até cerca de 655 a.C., quando os assírios ocuparam o baixo Egito, subiram o rio Nilo, chegando até Tebas, onde realizaram um grande saque. As lutas dos assírios contra a XXV dinastia foram intensas e cruéis. O Faraó Núbio “retirou-se para Kuch, onde sobrevivia o reino egiptizado” (OLIVER e FAGE). No final do século IV a.C., a capital do reino de Napata foi transferida para Méroe, onde permaneceu até o seu declínio, ocorrido no século I d.C.

Os reinos kuchitas, em todas as suas fases, foram exportadores de escravos para o Egito, para a Mesopotâmia e para a Ásia, via mar Vermelho. Para a queda dos kuchitas contribuíram as derrotas que lhes foram impostas pelos Faraós da dinastia ptolomaica, pelos romanos e finalmente, em 320 d.C., pelo reino Aksum (ou Axum), formado por emigrantes árabes. Uma das últimas referências históricas sobre o governo de Méroe data de 652, quando foi assinado em acordo comercial entre o governo islâmico do Egito e os núbios remanescentes do antigo reino Napata, pelo qual estes forneceriam 360 escravos por ano.

PS – Maiores informações sobre o reino Kush estão em meu livro “Os Escravos, da Escravidão Antiga à Escravidão Moderna”.

 

Tribuna do Norte. Natal, 15 maio 2021

 

 

 

 

 

Tomislav R. Femenick – Jornalista, historiador e membro do  IHGRN

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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