O INVASOR –
Josué era useiro e vezeiro na “arte” de invasão de imóveis abandonados, apropriando-se deles e depois locando-os ou vendendo-os. Vivia de golpes, e enriquecimento ilícito. Dizia-se “protetor” de imóveis abandonados . Agia assim, por má índole e falta de caráter, pois era de família abastada.
Vivia à procura de um sócio honesto “como ele”, para o seu “ramo de atividade”.
Certa tarde, em uma de suas passagens por uma pequena cidade, Josué estava conversando numa venda e disse para algumas pessoas que ali estavam:
-Senhores, este lugar é o melhor do mundo para se morar, pois a violência e as trapaças ainda não chegaram aqui.
Sebastião, o dono da venda, envaidecido com o elogio, falou:
-Bem, seu Josué, é verdade que aqui tem muita gente boa e decente. Mas também tem gente ruim. Aposto que o senhor ainda não ouviu falar em Zaqueu, que está preso.
-Não, seu Sebastião. Nunca ouvi falar.
O Xerife, que estava presente, completou:
– Mas já vai sair esta semana. Só pegou 30 dias de cadeia; se morasse noutro país, já tinha sido enforcado.
É ladrão fino.
Josué gravou na mente o nome desse Zaqueu e planejou conhecê-lo. Seria o sócio ideal, que vive procurando.
Muito traquejado em fazer amizade com malandro, Josué , dias depois de Zaqueu sair da cadeia, fez amizade com ele, e convidou-o para um passeio pela pacata periferia local, onde, sentados em um tronco, falaram de negócios.
O que Josué, na verdade, queria era um parceiro com um ar inofensivo de matuto, para seu sócio, na aplicação de golpes por aí afora. Zaqueu era o tipo de sócio que Josué procurava. Era alto, magro, claro e bem parecido, e tinha cara de pessoa boa. Disse-lhe o que pretendia e o encontrou disposto a agarrar aquela oportunidade de trabalho, coisa difícil para quem tinha estado preso, mesmo somente por trinta dias.
Deixando de lado os pequenos pecados, Josué perguntou a Zaqueu o que ele já tinha feito para tirar vantagem de trouxas. Queria saber se ele era inteligente e astucioso e sabia enrolar os bestas. Pediu que ele contasse algumas das suas façanhas.
O delinquente perguntou:
-Não te contaram? Não existe outro homem nessas montanhas, branco ou negro, capaz de roubar animais como eu, sem ser visto, ouvido ou apanhado.
-A ambição é um sentimento admirável num homem! – disse Josué.
Então, tendo combinado os serviços que iriam fazer, Josué e Zaqueu viajaram para a capital. No caminho, ao passar por outra cidade, Josué viu que havia um grande Circo armado. Ali mesmo eles desceram do ônibus e se dirigiram a uma pousada, onde cada qual ocupou um quarto. A cidade estava cheia de gente para ir à estreia do Circo. Josué nunca conseguira ver um Circo, no interior, sem se aproximar, para tirar vantagem dos pacatos frequentadores. Queria sempre recolher algum dinheiro fácil, que gira em torno do circo. Ao chegar à Pousada, foram logo providenciar uma roupa melhor para Zaqueu. O alfaiate lhe vendeu um terno azul, com um colete estampado e brilhoso, e uma gravata vermelha. Era a primeira vez que Zaqueu vestia alguma coisa que não fosse o macacão de brim e as botinas do seu uniforme de montanhês.
Naquela noite, Josué foi para perto do Circo e armou um joguinho com três conchas de noz e uma bolinha. Zaqueu seria o chamariz da jogatina. Recebera de Josué algumas notas falsas para jogar e Josué guardou um monte delas para pagar os prêmios. Josué armou a mesa e começou a mostrar às pessoas como era fácil descobrir qual noz escondia a bolinha. Os iletrados caipiras se amontoaram num círculo à volta de Josué, roçando ombros e provocando uns aos outros, para ver quem começava a apostar. Este seria o momento para Zaqueu fazer sua entrada e começar o jogo, ganhando notas falsas de dez e cinco reais, para atrair os caipiras. Mas, nada de Zaqueu aparecer.
Sem um chamariz viciado em jogo, a multidão se dispersou e todos entraram no Circo, sem que houvesse nenhuma aposta. Josué, indignado, fechou o jogo e voltou para a pousada. O sócio não havia chegado. Quando Josué já estava quase dormindo, foi surpreendido por um barulho de criança chorando. Ele abriu a porta do quarto e avistou a dona da pousada. Perguntou se ela não podia dar um jeito do bebê se calar e a mulher respondeu que o que ele estava ouvindo era o grunhido de um porco, que o amigo dele tinha trazido da rua há poucos minutos.
Indignado, Josué foi ao quarto de Zaqueu e o encontrou de pé, com a lâmpada acesa, enchendo de leite uma panela no chão, para um leitão branco rosado que não parava de grunhir.
Furioso, Josué falou:
-Como é que é, Zaqueu? Você me deixou na mão, na hora do trabalho, hoje à noite e o joguinho fracassou! Como é que você explica a presença deste porco aqui? Me parece uma traição!
.-Não fique zangado comigo, Josué! – pediu Zaqueu – Já lhe disse que eu tenho o hábito de roubar animais, e porcos, principalmente. E esta noite, quando vi a oportunidade de roubar este leitão, numa tenda do Circo, não resisti.
-Bem – disse Josué- talvez isto seja uma doença. Existem atividades muito mais lucrativas. Emporcalhar a vida com um animal estúpido, desagradável, pervertido e barulhento como esse, é coisa que vai além da minha compreensão.
Eu vou voltar para a cama. Veja se consegue que ele faça silêncio!
Josué passou a noite em claro, contrariado por ter arranjado um sócio tão tratante. Levantou-se muito cedo e foi comprar um jornal. Logo na capa leu um anúncio em tamanho grande, dizendo:
“Paga-se cinco mil dólares de recompensa pela devolução, vivo e com saúde, de Bebé, famoso e aclamado porco, educado na Europa, que se perdeu ou foi roubado ontem à noite, de uma das tendas do circo The Brothers. – Procurar o Sr. Amaro Jorge, Gerente Comercial.”
Josué dobrou o jornal e o escondeu no bolso de dentro do paletó. Foi ao quarto de Zaqueu e ele estava acabando de dar ao porco o resto de leite que sobrara.
Muito eufórico, Josué falou:
– Bom dia!– Então, estamos todos de pé? E o nosso porquinho está tomando seu cafezinho da manhã? Diga, Zaqueu, o que você pretende fazer com o porquinho?
Zaqueu respondeu:
-Vou embalá-lo e despachá-lo para Mamãe, lá em Montebelo.
-É um belo porco – disse Josué, amavelmente.
-Você ontem o chamou-o de coisas bem diferentes. – disse Zaqueu.
Josué, então, mudou de conversa e disse gostar muito de animais, principalmente porcos.
Disse que tinha uma criação de porcos na sua fazenda, no interior de São Paulo, e que colecionava porcos raros. E ofereceu 200 dólares por ele.
Admirado, Zaqueu respondeu que não queria vendê-lo Era um porco de raça nobre e iria ficar com ele. Se fosse um porco comum, venderia.
Temendo que Zaqueu já tivesse sabido do anúncio do jornal, Josué insistiu na compra do porco. Mas Zaqueu repetiu que aquele porco seria um presente para sua Mãe. Disse que nem por 600 dólares o venderia. Josué, então, lhe ofereceu 800 dólares. Surpreso, Zaqueu aceitou a proposta e disse que por 800 dólares, sufocaria qualquer sentimento no seu coração.
Josué tirou de dentro da roupa o dinheiro e contou 40 notas de 20 dólares, entregando a Zaqueu. Depois de levar o porco para o quarto de Josué, Zaqueu lhe disse que iria ao alfaiate comprar mais umas roupas, já que estava com dinheiro.
Josué ficou sozinho para fazer o que quisesse. Contratou, então, um carroceiro que passou pela pensão e amarrou o porco dentro de um saco, dirigindo-se ao Circo.
Encontrou o gerente numa pequena tenda, sentado atrás de uma janela, aberta como guichê. Com um olhar esperto e uma viseira preta na testa, o homem ouviu Josué dizer que viera fazer a entrega do porco e pegar a recompensa anunciada no jornal. Os 5 000 dólares.
O homem saiu de trás do guichê e disse a Josué para segui-lo. Entraram numa tenda, onde estava deitado na palha, um enorme porco negro (barrão), com um laço rosa no pescoço; estava comendo umas maçãs que um homem lhe dava.
-Diga, Sérgio – perguntou o gerente – Alguma coisa errada com a oitava maravilha, esta manhã?
– Não! – respondeu o homem- Está com muito apetite!
E o gerente do Circo perguntou a Josué de onde ele tinha tirado essa ideia de vir lhe devolver um porco. Josué abriu o jornal e lhe mostrou o anúncio em destaque.
-Falso! – disse o gerente do Circo. – Você mesmo viu “a mundialmente famosa maravilha suína do reino dos quadrúpedes”, comendo com sagacidade e apetite sua refeição matinal. Nada de porco perdido ou roubado.
Bom dia.
Josué deixou cair a ficha. Levara um golpe do “sócio”. Irado, voltou para a carroça, pagou ao carroceiro e pediu que levasse o porco bem pra longe dele, pois detestava porcos.
Em seguida, dirigiu-se à redação do jornal. Queria ouvir o que já era óbvio. Encontrou o encarregado dos classificados no guichê e, com o jornal na mão, perguntou:
-Para decidir uma aposta: o homem que botou este anúncio, era um muito gordo, baixo e de óculos?
-Não, não era – disse o homem. – Ele era muito alto e magro, cabelos cor de palha de milho e se vestia com uma roupa exagerada.
Na hora do jantar, Josué, arrasado, voltou à pousada, pagou a conta e pela manhã prosseguiu a viagem, interrompida pela visão do Circo.
Diz o ditado popular: “Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.”
Violante Pimentel – Escritora
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