O JUMENTO É MAIS QUE NOSSO IRMÃO –
Luiz Gonzaga fez a exaltação do jumento no afã da lida do sertanejo nordestino. “A vida desse animal, padre Vieira escreveu, mas na pia batismal, ninguém sabe o nome seu” É tanto nome que vai de“brioso” até “inspetor de quarteirão”, “passando por alicate”,“relógio”, “breguedé”, e por aí vai a criatividade sertaneja.
“Ele tem tantas virtudes / ninguém pode carcular / conduzindo um ceguinho porta em porta a mendigar”. E Gonzagão abreviou a alusão final ao dizer que “o jegue é a história do sertão; e mais: o jumento é nosso irmão!”.
Até que em 2018 chegou à imprensa uma notícia que revoltou muita gente. Os estimados jumentos poderiam estar na fila da morte. Um frigorífico de Itapetinga, interior da Bahia, anunciou o abate de cavalos e jegues, e pior, seguindo portaria da agência de defesa agropecuária do Estado. Mais dois frigoríficos teriam a mesma autorização após seguir algumas exigências. Os infelizes jegues teriam como destino a China, onde serviriam para a indústria de alimentos e cosméticos. Imagina-se quanto sofrimento a mais.
A grita foi geral em noticiários televisivos de todo o país. ONGs denunciaram que o terrível abate poderia significar a extinção dos estimados asininos em cinco anos.
Até que em fevereiro de 2019 surgiu a notícia que um deputado federal fizera anúncio de um projeto de lei tornando o jumento como“patrimônio nacional”, e no mesmo documento previa a proibição do abate de jegues em todo o território nacional. Foi um alívio para tantos nordestinos e conhecedores da saga utilitária e afetiva desse pequeno animal. Acresce-se agravante que a prática poderia entrar na interpretação da lei contra os maus-tratos a animais. E assim ficou a expectativa.
Um trecho desse projeto de Lei vinha assim discriminado com estas palavras: “Historicamente o jumento é figura importante no desenvolvimento do Brasil, principalmente no Nordeste. Trata-se de um animal astuto, com grande capacidade de carga, mais lentos, porém mais pacientes que o cavalo. Atuou por vários anos como transporte de pessoas e mercadorias e nos últimos anos vem sendo abandonado em virtude da substituição dos seus serviços por transportes motorizados”. Quero crer que o excerto traçou a realidade por que passa a situação dolorosa em que os jegues são literalmente deixados ao relento e fora de propriedades, onde tinham o seu canto acolhedor.
Outro protesto importante foi, há um ano, com a atuação da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, que fez atos em vários locais do país e na capital paraibana, à frente onde está erigido o busto de Tamandaré.
No manifesto desta Frente “abolicionista” contra o abate de jumentos, redigiu-se procedentes observações em defesa do ato. Transcrevo:
“Segundo a Frente, o jumento é um símbolo do Nordeste, é importante para o ecossistema brasileiro, não há necessidade de inclusão de mais essa matriz alimentar no cardápio brasileiro, não há no Brasil cultura de abate de jumentos nem de consumo desse animal, a sociedade deseja a manutenção da vida dos jumentos e repudia o abate dos jumentos e o abate dos jumentos levará à extinção da espécie”.
Não há dúvida que o jumento teve seus direitos legítimos, em gratidão, preservados, desde as prédicas do padre Antônio Batista Vieira, que assim defendia nas missas e reuniões do município cearense de Várzea Alegre. Padre Vieira nasceu em 1919 e morreu em 2003, mas deixou sua marca nessa história contada por Gonzagão. No início do século, padre Vieira chegou a fundar, que seja de forma folclórica,mas para despertar o reconhecimento, o Clube Mundial do Jumento.
Por essas e outras, pode-se considerar que “o jumento é mais que nosso irmão!