O JURISTA INTERDISCIPLINAR –
Max Weber (1864-1920) é um dos maiores teóricos sociais de todos os tempos, sabemos. Ele é considerado, ao lado do precursor Auguste Comte (1798-1957) e de Karl Marx (1818-1883) e Émile Durkheim (1858-1917), como um dos “pais fundadores” da moderna sociologia. A sua obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo” (1904) é deveras badalada. O que muitos não sabem, entretanto, é que Weber, para além de sociólogo – e até antes disso –, foi um jurista de formação e mesmo um advogado praticante.
Weber nasceu em Erfurt, na então Prússia, em 1864, em uma família muito bem conectada cultural e politicamente. Figuras proeminentes frequentavam sua casa. A criança/jovem já dali aprendeu muito. Em 1882, foi fazer direito na Universidade de Heidelberg. Ali estudou também teologia, filosofia, economia, história e por aí vai. Em 1884, foi para a Universidade de Berlim. Mesmo formado, advogando, continuou seus estudos. O doutorado em direito é de 1889. A habilitação para o professorado, com a tese de pós-doutorado, é de 1891. Casou-se com Marianne Schnitger (1870-1954, célebrefeminista e escritora) em 1893. Foi ser professor de economia na Universidade de Freiburg e, em seguida, na Heidelberg de seus primeiros estudos universitários.
De Weber, são famosos os títulos “A ciência como vocação” (1917) e “A política como vocação” (1919) e o livro póstumo “Economia e Sociedade” (1920). E, claro, a sua magnum opus “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, que seminalmente analisa o papel da religião (no caso, em especial, o calvinismo e as suas derivações) e de outros fatores culturais na construção dos chamados sistemas econômicos e jurídicos.
Quanto ao direito especificamente, como anota Robert Hockett (em “Little Book of Big Ideas – Law”, A & C Black Publishers Ltd., 2009), nos anos imediatamente posteriores à 1ª Guerra Mundial, “Weber esteve envolvido, pelo lado alemão, tanto nas negociações que levaram ao Tratado de Versalhes como na formatação da Constituição de Weimar do pós-guerra alemão”. Aliás, falecido já em 1920, “muitos dos mais influentes trabalhos de Weber foram publicados postumamente. Entre as muitas teorias que ele desenvolveu está aquela do estado moderno como um passo em direção ao que ele chamou de ‘realização burocrática’, segundo a qual a característica marcante do governo moderno é o fato de agir cada vez mais por meio de agências administrativas e executivas tomadas por experts e ‘tecnocratas’. Isso acabou se mostrando fundacional para todas as modernas concepções de direito e processo administrativo”.
É verdade que, como teórico da ciência jurídica, contraditoriamente ao que se poderia imaginar de um sociólogo, Weber foi defensor de um direito formal e racional, obediente a critérios certos de ordem interna, o que faz dele, sob o prisma histórico, um dos precursores do positivismo jurídico como jusfilosofia em busca de um método articulado e lógico para o direito.
Todavia, a grande contribuição de Max Weber para a ciência jurídica está na ideia da mistura, em si, que ele empreendeu do direito com as outras ciências – e, aqui, por óbvio, o direito está longe de ser “puro”, num sentido exageradamente (e distorcido, confesso) kelseniano.
Levando em consideração o direito e a sociologia, Weber, Durkheim e Eugen Ehrlich (1862-1922), pensadores com formação em ambas as ciências, em fins do século XIX e no começo do XX, construíram as pontes para a interação desses dois saberes. E Weber foi mais longe: direito, sociologia, economia, política, filosofia, religião e outros componentes culturais, tudo “junto e misturado”, a fim de se compreender a sociedade em seu sentido mais amplo.
O método dos estudos interdisciplinares é uma tendênciaque ganhou corpo, mundo afora, em meados do século XX. Na academia de hoje, uma das “coqueluches” (leia-se “moda”) é atal interdisciplinaridade, aqui entendida como a interação, nos mais diversos níveis de complexidade, das áreas do saber, visando à compreensão da realidade que nos cerca. E o estudo interdisciplinar do direito, misturado com outras ciências sociais, tanto na academia como na literatura jurídica em geral, explodiu, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos da América. Movimentos como “law and society”, “law and economics”, “critical legal studies”, “law and literature”, “law and cinema”, “critical race theory”, “feminism jurisprudence”, dentre outros, são os exemplos mais conhecidos dessa interdisciplinaridade jurídica. Isso chegou ao Brasil.
E se temos um precursor para essa mistura, se podemos apontar alguém como o responsável por assentar as bases para essa interdisciplinaridade no direito, ele é Max Weber.
Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL