O MEMORIAL DE MURILO –
Terminei a última página do livro “Testemunho Político” do saudoso jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho. Desde os estertores da República Velha (1930) até 1965, foram trinta e cinco anos de dança de vampiros. Nele qualquer leitor aprenderá a redefinir a política, o jogo ambíguo, farsante, da luta pelo poder. Já vi muita coisa na atividade pública ao longo do tempo, mas Murilo desvendou outras facetas com excepcional precisão cirúrgica. Um verdadeiro teatro shakeaspereano no qual, não é a política que é narrada somente, mas o ser humano que é caracterizado nas suas fraquezas, ambições, venerabilidades.
“Testemunho Político” não é apenas a história pedagógica e sequenciada daqueles anos tumultuados mas a exposição caracterológica dos seus protagonistas que Murilo deixou a cargo do próprio leitor descobrir. Depreendi que todos os grandes líderes ou chefes de Estado desse país morreram agarrados a sua própria angústia. Assim, aconteceu com Getúlio, Café Filho, Juscelino, Jânio, Jango, Lacerda, Tancredo, Castelo, Costa e Silva, Médici e Geisel. Quem não diagnosticaria também Figueiredo e Collor como depressivos, angustiados? E até Sarney, Itamar Franco e Temer. E mais ainda, os torturados Brizola e Lula, dignos dos cuidados do Dr. Salomão Gurgel. Isso tudo sem falar nos generais Lott, Denys, Zenóbio da Costa, Kruel, Mourão Filho, Gois Monteiro, Murici e Jair Bolsonaro, todos pacientes dessa república de sobressaltos. A ordenação dos fatos políticos entremeados com a própria história do autor, conferiu um sentido especial e estilístico a narrativa com o selo da autoridade de quem não apenas foi espectador privilegiado da cena, mas, em algumas vezes, protagonista.
Após a leitura, lembrei-me do saudoso jornalista João Batista Machado. A nível de Rio Grande do Norte, ele foi o nosso reporte político, testemunha e analista dos nossos embalos paroquiais e já comprovou isso com o lançamento de três livros. Murilo, veterano no campeonato nacional e Machadinho aqui, no estadual, representavam as duas melhores vertentes jornalísticas do memorialismo político da contemporaneidade brasileira e potiguar, respectivamente. Ambos foram historiadores dessa atividade enfermiça. Sim, porque não posso deixar de crer que todo político é um fronteiriço.
A ambição, a vaidade, corrompem o homem por dentro e por fora. O político recebe poderosas deformações caracterológicas no desabrido jogo pelo poder. Não me julgo nenhuma autoridade nesse assunto até porque fui político, interno também do mesmo hospital. Mas a visão global da política que o livro de Murilo nos resgata ou nos restitui, é de uma dramaticidade inquietante. Aqui, vale, contudo, lembrar a história, me contada pelo professor Alvamar Furtado. Ainda no limiar dos anos sessenta, o Dr. Creso Bezerra, ex-prefeito de Natal, ex-deputado estadual, deixou inopinadamente a política. Indagado pelo seu amigo Alvamar sobre o motivo tão repentino da sua atitude, ele explicou que fora a frase de um matuto da Paraíba. “Dr. Creso”, disse o filósofo sertanejo, “política é negócio só para rico besta e pobre sabido”.
Valério Mesquita – Escritor, Membro da Academia Macaibense de Letras, Academia Norte-Riograndense de letras e do Conselho Estadual de Cultura e do IHGRN– mesquita.valerio@gmail.com
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