O PAÍS DO RETROCESSO – 

Pronto! Agora descobrimos como desestabilizar o Brasil sem violência nem derramamento de sangue. Basta uma greve bem orquestrada e pacífica como a dos caminhoneiros, a qual assistimos passivos no mês passado. Em apenas dez dias de mobilização eles fizeram conosco o que Nicolás Maduro fez com a Venezuela em cinco anos de governo: paralisar toda a estrutura social, produtiva e econômica da nação.

Com um pouco de exagero, só não experimentamos o gosto amargo do êxodo em massa da população, para a circunvizinhança do Brasil, graças ao cansaço e a saudade de casa de parcela dos grevistas.

Todo esse desconforto que atravessamos serviu para ressaltar a fragilidade do sistema de transportes posto em prática no Brasil, a partir 1959, quando resolvemos privilegiar as estradas de rodagem em detrimento das vias férreas.

Explicando melhor: países com extensões territoriais semelhantes ao nosso possuem grandes malhas ferroviárias. O transporte ferroviário além de ser capaz de transportar quantidades elevadas de cargas de uma só vez, oferece um custo por tonelada/quilômetro conduzida bem inferior ao praticado no mundo rodoviário.

Não é à toa que países como Estados Unidos e Rússia elegeram o transporte ferroviário para dar a fluidez ideal na maioria das cargas. Na parte ocidental da Europa a ferrovia também é essencial para o deslocamento de bens e de passageiros.

E o Brasil, como fica nesse contexto? No período de 1870 a 1930, fim da República Velha, as ferrovias brasileiras escoaram a maior parte da produção agrícola do país, sobretudo o café, do interior para portos articulados com a navegação de longo curso. Na época, existiam 29.000 quilômetros de ferrovias ativadas.

No primeiro governo de Getúlio Vargas, os investimentos no setor rodoviário ascenderam os do modal ferroviário que, ainda assim, representou importante papel no desenvolvimento da nação até meados do século XX. Em 1947 possuíamos 35.623 quilômetros de ferrovias.

Em países-continentes, o transporte rodoviário atua com perfeição na cadeia logística intermodal do transporte porta a porta. Apanha as cargas em terminais ferroviários ou portuários e as entrega em destinos de curta distância.

Para melhor avaliação, na atualidade, enquanto os Estados Unidos possuem uma malha ferroviária de 293.564 km, o Brasil dispõe de 30.600 km construídos, ou 11% da malha norte-americana. E pior: 5.023 quilômetros a menos do total existente no auge da era ferroviária.

Condoía-me assistir, no meu Estado, arrancarem trilhos de ramais ferroviários desativados, os mesmos pelos quais eu trafegara de trem na infância. Quando engenheiro, a revolta se ampliou por construir estradas onde antes existiam ferrovias, ajudando no desmonte do modal que alavancaria o desenvolvimento do país.

No mês de maio passado, constatamos o mal que fizemos ao Brasil ao sufocarmos o crescimento das ferrovias, única opção efetiva para enfrentar o monopólio instituído pelo transporte rodoviário de cargas e de passageiros.

Se tivéssemos ferrovias suficientes, ninguém exigiria tabela mínima de preços para o transporte de longa distância, nem falaria em crise do diesel ou em melhores condições de tráfego nas estradas. Tampouco, ficaríamos reféns do poder de uma categoria que pode desestabilizar o país no tempo e na hora que bem lhe aprouver.

Haja retrocesso nisso!

Quando assistiremos a desfiles de comboios com a extensão e a variedade de cargas do acima mostrado, percorrendo o nosso território?

 

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro civil e escritor – jnsousa29@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores

 

Ponto de Vista

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