O PASSADO SEMPRE RETORNA –

As cidades são como pessoas, têm personalidade, têm DNA, têm definição de gênero. Natal tem personalidade forte e marcante. Sua tendência curvilínea – o rio, as dunas, o mar – prova que é feminina e enfeita-se para destacar sua beleza. Na festa dos seus 400 anos, convocado pelo gênio musical do maestro Mário Tavares, resgatei sua história singular e apaixonante para um texto comemorativo.

Mário Tavares nasceu em Natal e teve prestígio internacional. Atuou como violoncelista da Orquestra Sinfônica Brasileira. Considerado por muitos o principal intérprete da obra de Villa-Lobos, tendo feito a estreia mundial do “Gênesis”, foi maestro titular da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Portanto, honrado, aceitei seu convite para a narrativa histórica.

Para se escrever boa história, ou qualquer coisa boa, deve-se ter paixão pelo assunto. Sem esse envolvimento, sem esse sentimento, o historiador estará fadado ao fracasso. No entanto, constato que a visão que uma dada sociedade tem de seu passado não é resultado exclusivo da produção dos historiadores. As imagens, ideias, nomes e valores que compõem a visão do passado resultam de uma série de fatores, inclusive da memória popular.

O historiador é um voyeur. Obsessivo por excelência, pesquisa, lê e estuda fatos e personalidades de outras épocas. Ao ler textos produzidos, ao ver imagens pintadas, esculpidas ou fotografadas, ele faz uma regressão temporal. Nessa regressão amorosa, fruída saborosamente, o que se deve fazer, no mínimo, é não ocultar os fatos. E vamos aos fatos da capital potiguar.

Ritinha Coelho, na Rua das Virgens, cobre o sangue coagulado e o corpo nu do poderoso líder republicano com esteira de piripiri. O alvissareiro, na torre da Matriz, anuncia navios sobre espumas, sob estrelas, na linha do horizonte. Nísia Floresta, a Brasileira Augusta, reclama homenagens a Papari, por ter mostrado ao mundo o direito das mulheres. Auta de Souza, tristonha, dita poemas psicografados.

Lapinhas, fandangos, pastoris e presépios alegram noites e corações. O poeta Ferreira Itajubá exibe-se como equilibrista, mágico, trapezista, no circo em um quintal da rua Chile. Xarias e Canguleiros, Cidade Alta e Ribeira emitem gritos de guerra, bofetes, paus e pedradas. O soldado Luiz Gonzaga, sangrante, proclama que durou somente 82 horas o governo comunista de 1935. José Augusto sanciona a Lei do direito da mulher, de votar e ser votada, primeira vez no mundo latino.

Giacomo Palumbo conversa com o prefeito Omar O’Grady e suas mãos dilatam avenidas para passagem da brisa. Augusto Severo conduz o Pax nos nossos céus. Tonheca Dantas dança valsa e chora saudades do Royal Cinema. Café Filho, ex-goleiro do Alecrim Futebol Clube, manda no Catete. Djalma Marinho, distraído, pinta com aquarela celeste grandes cavalos azuis. Câmara Cascudo, sentado em uma pilha de 150 livros, ensina História e ri por ser Um Brasileiro Feliz.

Uma multidão de personalidades e heróis, de nomes e feitos esquecidos que culminaram na Natal de hoje. Não devemos esquecer. Jamais! Avante, Natal!

 

 

 

 

 

Diogenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

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