O PIONEIRISMO ECONÔMICO DE PORTUGAL –
Nos séculos XV e XVI, o feudalismo permanecia como modo de produção predominante na Europa, embora, no último desses séculos, tenha-se iniciado a crise que o desintegrou e resultou no surgimento do capitalismo. Nesse período, formas capitalistas de produção já coexistiam com o feudalismo, porém, sob a sua hegemonia.
A economia portuguesa viveu essa simbiose “feudal pré-capitalista” com algumas atividades amarrando-se às formas tradicionais e outras deslanchando em busca de maior espaço para o seu desenvolvimento. O comércio foi o segmento econômico que mais dinâmica apresentou e o que mais influiu na determinação histórica da nação lusitana; foi a principal forma de acumulação do capital. “O comércio externo de Portugal é mais antigo do que o de qualquer outro país da Europa, à exceção da Itália” (Adam Smith,1981/3). Nos séculos XIII e XIV, o comércio atlântico já era ativo nos portos portugueses. As exportações atingiam o norte da África, a França e a Inglaterra. A primeira feira estrangeira em Burges (Bruxelas) foi organizada por comerciantes portugueses.
No final do século XV, pelos portos portugueses eram exportados produtos locais, e reexportados produtos vindos de longa distância: trigo de Marrocos, das Ilhas Atlânticas e da Europa Setentrional; produtos têxteis da Inglaterra, Irlanda, França e Flandres; latão e contas de vidro da Alemanha, Flandres e Itália; ostras das Ilhas Canárias; especiarias, ouro e escravos africanos. Com os descobrimentos, Portugal era a única nação europeia que mantinha comércio regular com as Índias Orientais, além de manterem estabelecimentos no Congo, Angola e Benguela, na costa da África, e em Goa. Paralelamente, mantinha uma importante colônia em Antuérpia, onde cerca de sessenta famílias representavam os interesses lusitanos. O desenvolvimento do comércio se refletiu também no seguro e na navegação. Em 1383, Dom Fernando I, rei de Portugal, criou o seguro marítimo.
A navegação é um capítulo à parte. Entre o meio e o fim do século XVI, a frota comercial portuguesa representava uma capacidade de carga em torno de 50 a 100 mil toneladas métricas. O porto de Lisboa registrava cerca de quatrocentas ou quinhentas embarcações fundeadas – o que seria um exagero do cronista da época. No século seguinte, os navegadores portugueses descobriram a Ilha da Madeira, as Canárias, os Açores, as Ilhas de Cabo Verde, a Costa da Guiné, a de Loango, o Congo, Angola e Henguela (Namíbia). Contornaram o Cabo da Boa Esperança e atingiram à Costa do Indostão (subcontinente indiano). Certo é que essa empresa contou com ativa participação do governo. No entanto, essa foi uma empreitada muito mais da burguesia do que da nobreza. A própria intenção dos descobrimentos era comercial.
No campo, a “Lei das Sesmarias”, publicada em 1375, quebrou o poder da nobreza rural, ao impor a reordenação das terras improdutivas dos senhores feudais, sem que esses recebessem nenhuma paga por elas. Diversos produtos agrícolas eram cultivados em Portugal, com destaque para a parreira e a oliveira. A indústria extrativa de sal marinho remonta a épocas anteriores à própria constituição do Estado português, datando dos séculos X e XI.
Por sua vez, a produção têxtil sempre foi rudimentar, familiar e rural. A cultura do linho, do cânhamo e do bicho-da-seda, bem como a pecuária de ovinos, de onde se extraia a lã, tiveram importância relativa e somente orbitavam em torno da economia feudal, raramente constituindo uma presença de modo mais avançado de produção, por pouco que fosse. Quantitativa ou qualificativamente essas atividades não representavam qualquer avanço na economia do Portugal medievo.
A análise da economia lusitana nos séculos XV e XVI, principalmente das atividades ligadas ao comércio e à navegação – setores em que os portugueses estiveram à frente da economia europeia, comprovados na expansão e descobrimentos marítimos – evidencia um sistema com um significativo poder de acumulação pré-capitalista.
Tribuna do Norte. Natal, 01 jan. 2020.
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia com extensão em sociologia. Do Instituto Histórico e Geográfico do RN
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