O PODER DO CINEMA –
Depois de três anos e meio afastado, voltei a uma sala de cinema. Já havia programado o retorno há vários meses, porém pequenos afazeres e grandes preguiças me impediram de realizar o projeto; a programação também não ajudou muito, embora as salas tenham exibido alguns bons e celebrados títulos, detentores de Oscars e outras premiações, ou acompanhados de retumbantes recomendações pessoais. Essa semana, finalmente, decidi que iria ver, não um filme qualquer, não um explosivo blockbuster, desses que deliciam a juventude sempre ávida por filmes de ação, efeitos mirabolantes e barulhos ensurdecedores; meu interesse era pelo quinto episódio das aventuras do ator Harrison Ford, iniciadas em 1981 com Os Caçadores da Arca Perdida, primeiro título das peripécias de Indiana Jones, personagem do qual tornei-me um admirador, assim como nunca perdi um filme do icônico James Bond, desde quando Sean Connery era apenas um esboço do grande ator em que se tornaria.
Tomado por uma ansiedade juvenil, entrei na babilônica sala, onde uma enorme tela e renovadas poltronas pareciam aguardar o reencontro depois dos anos de pandemia que frustraram as minhas audições de espectador semanal e fiel. Acomodado, experimentei a mesma emoção, o mesmo frio na barriga que acompanhava todo menino, antes das projeções. Era como se, dali a pouco, fosse surgir na tela o galope elegante de Rocky Lane, Roy Rogers, Rex Allen, Hopalong Cassidy, Johnny Mack Brown, ou as aventuras de Tarzan, as comédias do Gordo e o Magro, as trapalhadas de Oscarito, Grande Otelo, Zé Trindade, números musicais e singelos romances que desfilavam nas chanchadas brasileiras.
Mas o que emergiu do écran, daquela enorme tela Macro-X, foi um impactante desfile de ação frenética, ruidosa, trepidante, que causaram desconforto no senhor idoso que, junto a mais oito ou dez espectadores, esperava uma atuação mais amena e tranquila de um protagonista já entrado na casa dos oitenta anos. Essas cenas iniciais remontavam a uma missão do passado, quando nosso herói, mais uma vez, enfrentava os determinados vilões nazistas, adversários recorrentes e sempre à cata de antiguidades valiosas. Depois de alguns minutos de uma ação mais lenta, a história retomou o ritmo inicial e produziu mais sequências em andamento acelerado e, para mim, estonteante. Não era o que eu imaginava quando, sobraçando minha bolsa com lanches e remédios, entrei ansioso no recinto. Porém deveria admitir que o público de hoje não é o mesmo de 1981, quando a disputa por uma Arca da Aliança perdida, dirigida por Steven Spielberg, nos encantou tanto quanto os simplórios roteiros dos filmes de aventura dos anos 1950. Saí da sessão nostálgico, revivendo as montagens quase artesanais de Casablanca, Crepúsculo dos Deuses, Johnny Guitar, Matar ou Morrer; o perfeccionismo de Chaplin, as propostas do Realismo Italiano, ou as ousadias da Nouvelle Vague francesa.
Mas os tempos são outros e só nos resta acatar as mudanças. E cada vez mais sujeita às descobertas e avanços científicos e tecnológicos, a arte cinematográfica irá sobreviver não só como centenário elemento cultural; também continuará sendo exercida a serviço da enorme e rentável indústria em que se tornou, desde quando ousados produtores passaram a enxergar na invenção dos irmãos Lumiére uma fonte de sucessos e, evidentemente, de lucros comerciais. Muitos bons frutos ainda irão brotar desse casamento da arte com a indústria, do talento com a cibernética; muitos astros e estrelas ainda em formação irão brilhar no charmoso cenário do showbusiness cinematográfico. E nós devemos, com otimismo, aceitar essas mudanças e, na medida do possível e do tolerável, reconhecer que também somos conquistados por alguns agradáveis poderes; um deles é o poder do cinema.
Alberto da Hora – Escritor, músico, cantor e regente de corais