O PREFEITO, O PROFESSOR E A BICHINHA – Guga Coelho Leal

O PREFEITO, O PROFESSOR E A BICHINHA –

Bem Querer é uma cidadezinha encravada no alto sertão de um estado nordestino. Entrou para glória depois que dois fatos aconteceram quase que simultâneos e mudaram sua história. Hoje bem visitada por turistas, todos querem conhecer o riacho que o professor morreu.

Cidade pacata, como toda cidade pequena do interior. O “point” local é a sua praça, ponto de encontro de várias gerações. Ali desfilam todas as idades, de um lado fica a igreja, com um grande cruzeiro na frente. Por traz, passa um riacho que nos meses de chuva “toma” muita água e no verão é completamente seco.  Perto o Mercado, em uma esquina, a Mercearia Santa Clara de seu Manoel Venâncio, um gordo bonachão que vende de tudo, vizinho ao bar e restaurante “O Peba” que oferece comida regional.  Do lado direito de quem entra, logo perto da igreja, fica o Hotel Paraíso, pequeno prédio de dois andares, cujo dono, também é o proprietário da Casa Funerária Jesus Te Chama. Na ocasião, as principais autoridades da cidade eram: O prefeito, o padre e o gerente do Banco do Brasil. O prefeito chamava-se Otto, era comerciante, dono de uma loja de vendas de colchões e pessoa de fazer pequenas caridades, era conhecido como Otto Bom, pois se glorificava com suas mentiras, de ser o melhor homem deste chão deixado por Deus. Seu filho mais novo, conhecido por Nino, continua no ramo e é um dos mais bem sucedidos comerciantes da cidade, até os dias de hoje. Ao contrário do pai, é um excelente homem, querido por todos.

Almira mulher do Prefeito, era bonita de rosto, mas, baixinha e muito gorda. Devia pesar uns cento e sessenta quilos, por isto, o Prefeito já não morria de amores por ela e tinha um chamego com Quitéria, que era sua secretária na Prefeitura. O diretor do Colégio Santo Saber era o professor Alor Prado, um cara chato, metido a rico e conquistador. Magro, destes que parecem escoliose de avestruz. Solteirão porque era de conversa ruim, não grudava em ninguém, nem em Maria Surda, uma surdinha, que não ouvia nada, mas era muito bonita.

Pois bem, era ano eleitoral, mês de junho, festa da padroeira da cidade com as festas juninas sendo comemoradas. Como toda cidade pequena do interior nordestino, todos estavam pelas ruas, enfeitadas com cordões de lâmpadas e bandeirolas de papel colorido, ou sentados com as cadeiras nas calçadas. O padre Pedro Mário pedindo dinheiro ao povo e rezando novenas, junto com o Prefeito, apregoava o fim das crises e dias melhores, mentindo iguais aos políticos de hoje. Almira, com o desprezo que o prefeito lhe dava, tinha na Igreja seu conforto espiritual e como boa beata, toda a noite colocava um véu na cabeça e ia rezar, pedir a Deus que iluminasse o resto dos seus dias.

Era noite de uma sexta feira, Almira não saiu da rotina. Aprontou-se toda, seguiu para Igreja, conversou com muitas pessoas, abraçou e beijou muita gente. Ficou só em um canto e rezou isolada.Voltou para casa, na calçada, havia várias pessoas. Cumprimentou a todas e abraçou-as fortemente, pedindo licença para deitar-se, pois estava sentindo forte dor de cabeça. Foi dormir, “quando acordou estava morta”. Prefeito, macaco velho, safadão e olho no pleito, prevendo a grande sacada, mandou chamar o vigário mais corrupto do que ele e bolaram um grande evento.

O velório teria que ser um acontecimento comentado em toda região, seria o maior velório já visto pelas redondezas. Foi na igreja, com uma grande missa campal. Nos degraus os dois safadões falaram para o povo, que lotou toda a praça. Diz Lima, um nativo da região, contador de estórias, que no funeral a defunta deixou rolar algumas lágrimas de tanta vergonha. Pois bem, o prefeito mandou pedir a banda da escola, que era regida pelo professor, para tocar músicas fúnebres.

O professor aprontou-se todo e partiu com a banda composta pelos estudantes do colégio, que ficou defronte aos degraus da igreja. Quanto o prefeito foi falar junto com o padre ao povo, na sacada do templo religioso, a banda começou a tocar e ninguém sabe de onde, apareceu a bichinha, com a bundinha empinada de fazer inveja a muita miss Brasil. Os olhos do professor atingiram a magnitude dos olhos da bichinha, foi amor a primeira vista. Logo que pode o Alor chegou perto dela, curvou-se, beijou-lhe a mão e com a sua conversa enfadada foi perguntando.

– Desculpe a petulância de incomodar a linda e formosa senhorita. Mas qual é o seu nome?

E a bichinha como toda boa bichinha respondeu.

– Malvina, Malvina Antonieta D’ora, mas me chama de Mal, adoro ser chamada de Mal.

Daí para o encontro fatal foi um pulo. O professor pediu o seu endereço, ela estava hospedada no hotel. Passearam na praça, tomaram cervejas, papearam até altas horas da noite no banco da praça. Quando a população dormia, o Alor avançou o sinal. Louco de amor agarrou a Mal e começaram o trinchimchim na praça. Mal o convidou parar ir até o seu quarto no hotel. Há essas horas não tinha mais ninguém na recepção, os dois partiram para a aventura amorosa. Como boa bichinha, Mal se deitou e não tirou a calcinha. Alor louco de amor ficou logo nu e partiu para o ataque. Começou a beijar e acariciar a bichinha em quase todo seu corpo. De repente quando passou a mão no dissílabo do cidadão pensando que estava a apalpar a trissílaba da cidadã, sentiu o mastro de uma escuna pronta para zarpar. Deu um pulo, um grito enorme ecoou, toda cidade escutou – Que é isto satanás?

Saltou pela janela do primeiro andar, saiu correndo nu aos gritos de “eu dormi com satanás”, ajoelhou-se no cruzeiro da igreja e rezou baixinho.

– Senhor me perdoa, eu juro que não sabia que aquilo era aquilo outro.

Andando em direção ao riacho, repetindo baixinho “eu dormi com satanás”, em uma madrugada de lua cheia, Alor, desapareceu no leito do riacho. Contam alguns moradores, que ainda hoje se ouve no local, nas noites de lua, o grito: “Eu dormi com satanás”. Os dois corruptos, o padre e o prefeito lamentaram não ter mais um corpo para nova festa, as eleições estavam bem próximas.

 

 

Guga Coelho Leal – Engenheiro e escritor, membro do IHGRN

As opiniões emitidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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