O PRIMEIRO DIA DO ANO –

No primeiro dia de janeiro deste ano, eu acordei mais cedo do que esperava. Justifica-se. Pouco bebi na festividade da noite anterior, por conta do tratamento de uma paralisia facial que me acometeu em dezembro. Resolvi ir caminhar.

Naturalmente, vieram-me as reflexões. Num estalo percebi que aquele era o primeiro dia, do primeiro ano, do último quarto de século de minha existência. Gente! Tive um susto com a constatação e diminui as passadas, como se aquela providência retardasse o avançar dos anos de vida que me restavam.

Quis angustiar-me, mas a brisa fresca da manhã me acalmou. O que fazer agora? O meu inconsciente sugeriu: “Faça uma contabilidade de sua vida. Coteje os prós e os contras, e avalie as perdas e ganhos. Enfrente a realidade dos fatos”.

Diz-se que todo homem, antes de morrer, deve plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Nunca entendi bem o significado desse provérbio. Serão providências que deixarão um legado, uma memória, uma reputação? Pelo sim pelo não eu já me desincumbira dessa tarefa: árvores frutíferas foram plantadas – algumas ainda vivas -, uma trinca de livros escritos e três maravilhosos filhos gerados.

Éramos seis os rebentos de Laura e Manoel. A caçula dos irmãos foi-se aos 52 anos, ceifada por um câncer de mama. Nossos pais faleceram aos 84 de tristeza pela morte precoce da filha. Porém, outro drama nos acompanha há quatro anos. O mais jovem dos homens convive com uma doença devastadora e crudelíssima: a esclerose lateral amiotrófica, conhecida como ELA.

Com a ELA do meu irmão começou um novo aprendizado na minha vida. Estou tentando dominar a ansiedade – o mal do século -, controlar a irritabilidade e exercitar o perdão. Isso mesmo. São esses os ensinamentos que nosso irmão prega, por ter se aproximado de Deus. Embora encarcerado no próprio corpo, exercita viver cada dia de sua vida com a intensidade e a beleza de cada novo amanhecer… E como ele tem vontade de viver!

Com o pouco que possuo constatei ser um indivíduo bem mais aquinhoado na vida, se comparado a semelhantes que nos rodeiam e atendem pela alcunha de o próximo – e como existem próximos necessitados perto de nós! Por que sou merecedor de tal privilégio em detrimento de tantos que nada tem? – outra incógnita sem explicação na vida de cada indivíduo.

Nesse balanço da vida o que me tranquilizou foram algumas cicatrizes deletérias que tenho certeza não possuir: ganância, soberba, inveja – “o coração em paz dá vida ao corpo, mas a inveja apodrece os ossos” (Provérbios 14:30) – e preguiça. Menos mal.

Agora, disponho de todo o tempo do mundo, que ocupo lendo, escrevendo e curtindo a minha antiga e agradável mania: música civilizada e a sétima arte. Porém, esse preenchimento visa, tão somente, o meu bem-estar, e imagino claudicar um pouco para o egoísmo.

Leve e em paz depois da caminhada matinal, voltei para casa – o porto seguro familiar – com um propósito definido: neste novo ano oferecerei trabalho voluntário a alguma instituição de ajuda ao próximo, carente de mão de obra e da boa vontade alheias. Não temo a velhice nem a morte, e adoro cada instante dessa misteriosa e sagrada dádiva chamada vida. Então, que venha 2019 para eu tirar de letra.

 

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *