O REPENTE NA ACADEMIA –
A nossa Academia Norte-rio-grandense de Letras eleva os valores da cultura e é aberta às manifestações populares. O programa “Academia para Jovens” recebe alunos e professores para aprimorar o sentimento da importância da cultura transmitida pela educação. O improviso e o repente dos cantadores não lhe são ausentes.
A prodigiosa memória do professor Lúcio Teixeira surpreendeu o inesperado. Estavam dois cantadores na casa do fundador da Academia, Luís da Câmara Cascudo, quando um besouro cascudo pousa no ombro do Mestre. Foi o bastante para um cantador versejar: “Estou vendo dois cascudos/Um do outro é diferente/Um não tem raciocínio/O outro é inteligente/No mato cascudo é bicho/Na praça Cascudo é gente”.
Em cerimônia acadêmica, falava um companheiro não da simpatia do poeta Luiz Rabelo, um mestre da arte do improviso. O orador falava baixo e com alguma impropriedade de linguagem. O cachorro da zeladora começa a latir. Logo, Rabelo descreveu a sessão magna; “O acadêmico falava/Mas o cachorro latia/Era bem grande a arrelia/Nada o auditório escutava. /Assim se desenrolava a sessão na Academia/Afinal ninguém sabia (era impressão que deixava) /Se o cachorro discursava/Se o acadêmico latia”.
O desafio do violeiro começa normalmente com um autolouvor exagerado de um cantador para intimidar o parceiro.
Certa vez, convidei dois cantadores para uma apresentação na Academia. Sugeri o tema: A chegada do cantador no céu. O potiguar-paraibano Antônio Sobrinho discorreu sobre as suas vantagens na visita celestial, havia recebido o aplauso dos santos. O poeta pernambucano contestou. Disse que, no “céu”, o companheiro foi recebido por um anjo de rabo e chifre, que soltava fogo pelas ventas. Teria sido mergulhado em enxofre fervente. Por sorte, consegui decorar a resposta: “Viajei num transporte igual ao vento/E fui conhecer o céu empíreo/Nas mãos eu levei a flor do lírio/E nos braços levei meu instrumento/Ao chegar no céu nesse momento/Me senti o poeta mais feliz/Jesus me escutando pedindo bis/E eu repeti a mesma cena/Namorei com Maria Madalena/Não casei lá no céu/Porque não quis”. A plateia, emocionada, aplaudiu.
O acadêmico Veríssimo de Melo deixou copioso legado de suas pesquisas folclóricas. Deu especial relevo à atualidade da poética popular. Entre tantos estudos, revelou a cantoria feita para a visita do Papa João Paulo II a Natal, a morte de Tancredo Neves, registrou a exposição de cordel no Museu Britânico. Muitos desafios surpreendentes. Vamos prestar-lhe a devida homenagem nos cem anos do seu nascimento. Estamos convidando dois cantadores para, em sessão aberta e com transmissão pela internet, louvarem a sua vida limpa e sua obra semeadora.
A Academia trabalha com a colaboração do tempo, promovendo ensaios, valorizando experiências intelectuais, como orienta o seu lema, buscando a luz dos astros na sabedoria popular.
Diogenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN
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