O RISCO DA “MÃO ÚNICA” NA REFORMA DA PREVIDÊNCIA – Ney Lopes

O RISCO DA “MÃO ÚNICA” NA REFORMA DA PREVIDÊNCIA –

A proposta de reforma da previdência social está sendo transformada em verdadeiro “maniqueísmo”, aquela filosofia religiosa persa do século III, que dividiu o mundo entre Deus e o Diabo, o bem e o mal (apoiadores e discordantes).

Não se nega que ela é absolutamente necessária.

A grande questão será como fazê-la: se optando pelo risco de uma “rua de mão única”, em que somente alguns “paguem o pato”; ou, “dividindo sacrifícios” entre as várias categorias sociais, sobretudo os prestadores de serviço (privados e públicos) e as empresas.

Sabe-se que o objetivo da reforma é obter caixa para garantir o pagamento dos benefícios. Para isso torna-se necessário combater privilégios, contribuir mais e buscar recursos. Nada a opor.

Cabem, entretanto, algumas observações, acerca da identificação de “novas fontes de recursos”, para evitar que a classe média e baixa renda paguem sozinhas o déficit da Previdência.

Será “fake news corporativo” lembrar, que segundo o relatório do TCU (2017), cerca de 5,4% do PIB foram subsídios dados pela União, dos quais 44% não sofrem nenhum tipo de fiscalização?

Neste item estão às renúncias permanentes de receitas, que compreendem anistia, juros diferenciados, etc.. Não se defende o corte radical, mas um “pente fino”, por tratar-se de moeda pública, igual àquela desviada na “lava jato”.

Será “fake news corporativo” lembrar a taxação de lucros e dividendos, que é adotada pelos países desenvolvidos e adeptos do livre mercado, filiados à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sendo exceções apenas Brasil e Estônia?

Estudos demonstram uma estimativa de receita extra, em torno de 30 bilhões, no primeiro ano e poderia ser implantado, paralelamente, a corte do IR-pessoa jurídica.

Será “fake news corporativo” lembrar, que mesmo reconhecendo a inestimável contribuição do agronegócio à economia nacional (cerca de 20% da atividade econômica do Brasil), o setor poderia contribuir um pouco mais, quando atualmente arrecada apenas cerca de R$ 7 bilhões e a previdência arca com R$ 90 bilhões em aposentadorias e pensões?

A proposta optou por criar contribuição previdenciária “fixa” para o agricultor, quando hoje ele paga alíquota de 1.7%, se houver comercialização de sua produção.

Além disso, o benefício do idoso rural cai de R$ 998 para R$ 400 reais e a idade para a aposentadoria sobe para 70 anos. O agronegócio ficou incólume (isento).

Será “fake news corporativo” lembrar que dezenas de bilhões de reais (pagos por empregados e empresas) são retirados dos cofres da previdência, por meio da DRU (Desvinculação das Receitas da União)?

A DRU (R$ 92 bilhões, em 2016) permite que o governo federal use 30% da verba destinada à Previdência, para pagar juros da dívida pública.

Como se explica, a previdência ser deficitária e perder recursos legais, que lhes são destinados constitucionalmente?

Além disso, nada se fala sobre a reposição dos bilhões (estimativas superiores a R$ 500 bi) das desonerações do pagamento da Previdência, que em nada reduziram o desemprego e foram desviadas (com exceções), por meio de fraudes (apropriação indébita).

Apesar de estar previsto na Constituição de 1988, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) jamais foi regulamentado no Brasil e teria a previsão de arrecadação inicial de mais de R$ 30 bi. O mundo desenvolvido adota esse tributo.

Portanto, não significa “fake news” ponderar a existência de outras fontes de receita para a redução do “déficit”, sem concentrar a mudança na penalização da classe média e baixa renda, desmonte do serviço público, eliminação da “meritocracia” (valorização dos méritos pessoais de cada indivíduo), além da “criação” de um “gatilho” (???), que já em 2024 subirá de novo a idade mínima (inclusive rural) e continuará subindo a cada quatro anos. O mais grave: a proposta desconstitucionaliza a Previdência.

Atinge “direitos sociais” e coloca em risco o sistema de repartição, baseado na solidariedade social.

Diante da crise econômica do país, não há dúvida de que a reforma terá que ser implantada. Porém, pela via de redução da despesa e criação de receita, com a “divisão justa de sacrifícios”, mantido o princípio de trabalhar e contribuir mais, em favor da eliminação do déficit. 

O inaceitável será reforma de “mão única”. Afinal, o propósito é evitar o colapso das contas públicas e garantir o pagamento dos benefícios, sem que seja montado clima de intranquilidade social no país.

O Brasil não merece isto!  

 

Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal e professor de Direito Constitucional (UFRN)nl@neylopes.com.br www.blogdoneylopes.com.br
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