O SOM E A MÚSICA –

Quando criança e adolescente, pelo menos três canais foram responsáveis pelo meu interesse na música. As canções do Rádio, aquelas cantadas pela minha mãe, e a música dos filmes. Não possuíamos vitrola ou qualquer outro meio para ouvir discos, então era assim que tínhamos acesso às músicas. Nos auditórios, vozes celebradas em Natal completavam a galeria dos ídolos que enchiam de fantasia o nosso cotidiano limitado de pobres e suburbanos. Certa vez, levado pelo meu pai a uma festa em Extremoz, me deparei um grupo musical que animava o encontro – uma celebração das Bodas de Ouro de um casal amigo. Se bem me lembro, violão, bandolim, clarinete e um discreto pandeiro, eram os principais instrumentos daquele grupo. Seus acordes, suas músicas prenderam a minha atenção, a ponto de me fazerem esquecer as folias e brincadeiras das outras crianças, não obstante os apelos do meu pai.

A verdadeira música tem esse dom de encantar, de sensibilizar e abstrair. Os sons de uma orquestra, a harmonia produzida pelos seus vários instrumentos, as melodias executadas com entrega e virtuosismo, são as expressões mais belas e sublimes do que o gênero humano é capaz. A performance de um grande cantor, seja uma diva do chamado bel-canto, ou um artista popular são canais, não só de entretenimento e diversão, porém, mais ainda, de emoção física e espiritual.

Entretanto, a mídia fonográfica, que é um braço importante na comercialização da produção musical, é capaz de popularizar ritmos e gêneros musicais não tão envolventes e emocionantes Quase sem perceber, somos levados a “suportar” alguns sons e intérpretes cujo objetivo parece ser apenas nos alienar, ou entorpecer. A minha opinião é a de alguém com quase 77 anos, militante da música, como um diletante intérprete, regente de coros ou tocando um violão popular. Procuro não parecer rançoso ou intolerante, entretanto, eu seria hipócrita e desonesto se me negasse a emitir uma opinião. É claro que no nosso passado, nem tudo que se produzia era de boa qualidade; eram até comuns bobagens e exageros em todas as manifestações artísticas – na dramaturgia, na música e, até, na literatura. Mas, hoje, os abusos são mais frequentes e ostensivos, e estão longe da preocupação com o bom gosto e a qualidade. A televisão, principalmente, tem sido o principal veículo propagador de uma estética deletéria, com o objetivo de alienar e emburrecer a sociedade. Junte-se aos programas da TV as redes sociais, e o quadro torna-se dramático. Atualmente, vale tanto um grupo de erotizantes casais de dançarinos em um palco, quanto a música atleticamente interpretada pelo solista, masculino, feminino, sem compromisso ou interesse com a melodia; o mais importante é a sua performance, a exibição do seu visual, dos figurinos exuberantes. Tornaram-se raridades os grandes e encantadores compositores e intérpretes, muitos deles inseridos na história da música brasileira – por exemplo.

Há pouco tempo atrás, eram comuns alguns carros particulares ostentando potentes e barulhentos equipamentos sonoros, orgulhosamente chamados de som. O proprietário se orgulhava e fazia questão de acionar as toneladas de decibéis, vaidosamente chamadas de “o som do meu carro, ou: a minha máquina”, não se importando em agredir os ouvidos alheios com os ruídos preferencialmente percussivos da sua parafernália sonora. Ainda bem que, forçados por uma atuante vigilância sanitária, tem diminuído o número dos mal amados, que pareciam projetar, com a falta de educação, as suas incompetências sociais e afetivas. E a nós sempre coube tentar discernir o que é bom e proveitoso, do que é mau e destrutivo; separar o que é apenas barulho e som, do que é verdadeira e boa música.

 

 

 

 

Alberto da Hora – Escritor, músico, cantor e regente de corais

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