O SONHO DE NICANOR – 

Eu conheci Nicanor de Azevedo Maia morando num bonito sobrado na Rua Mossoró, em Natal, defronte à casa de meus pais. Mudamos de endereço e voltei a encontra-lo na Escola de Engenharia, em 1965. Eu ingressando no curso, e ele concluinte da 2ª turma de Engenharia Civil.

Tão curioso e inquieto como o professor Pardal, personagem das histórias em quadrinhos de Walt Disney, Nicanor, professor de Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, direcionou a sua pesquisa para a montagem de um “carro movido a água” – como jocosamente insinuava a imprensa.

Lógico, que o invento caiu no descrédito de todos, tanto pelo ineditismo da pesquisa quanto pelo arrojo de tentar peitar de frente a poderosa indústria automobilística e o não menos vigoroso cartel do petróleo.

Sem se intimidar com as dificuldades que enfrentaria vendeu um de seus carros e comprou um velho Chevrolet Biscayne, 1965, para dar forma à sua linha de raciocínio científico. “Há 90% de possibilidades de que a coisa dê certo”, afirmou ele confiante em entrevista concedida à revista Veja, em março de 1976.

Professor de Mecânica Aplicada no Centro de Tecnologia da UFRN, Nicanor realizava suas experiências num galpão – arremedo de laboratório – onde dava forma ao motor para o seu veículo “movido a água.” Na verdade, o combustível era o hidrogênio, o mesmo utilizado nas naves espaciais.

Após meses de pesquisa ele montou um gerador de hidrogênio à base de hidrogenita – substância composta de silício, hidróxido de sódio e cal extinta – e água, no velho Chevrolet. Com o veículo assim adaptado, Nicanor transitou pela cidade e até empreendeu viagens a alguns municípios do estado.

O descrédito quanto ao trabalho do professor somente cessou quando o Instituto Tecnológico da Aeronáutica o convidou para fazer uma explanação sobre a “Utilização do Hidrogênio Obtido da Dissociação da Água em Motores Térmicos”, em São José dos Campos.

Resultou, que o experimento desenvolvido por Nicanor ser idêntico ao levado à efeito pelos engenheiros do ITA utilizando aparelhagem sofisticada, enquanto, em Natal, o professor desenvolvia o seu invento artesanalmente.

Relembrei Nicanor, ao ler reportagem acerca da possibilidade de carros movidos a hidrogênio poderem chegar ao mercado em breve, como contraponto aos veículos elétricos. Com a diferença de que, enquanto um carro elétrico tem motor alimentado por uma bateria embutida carregado por uma fonte externa, o motor movido a hidrogênio usa uma célula de combustível de baixo impacto ambiental para produzir energia.

Com a vantagem de as baterias usadas nesse tipo de veículo serem, geralmente, menores que as encontradas em veículos elétricos, uma vez que a célula de combustível está constantemente em recarga, não criando assim a necessidade de uma bateria maior e mais pesada.

Nicanor faleceu em 27 de dezembro de 2001, com 77 anos de idade. Sem imaginar se tornou um dos percursores da energia limpa para motores automotivos. Seu nome não constará de qualquer galeria de inventores do ramo, porém, insistiremos em divulgar a sua pesquisa inovadora arrefecida pela falta de incentivo para dar sustentação ao sonho de um cientista inato, potiguar.

 

 

 

 

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro civil

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