O VELHO ENGENHO II –

Estou na sala da frente em minha casa, luzes apagadas, apenas reflexo da luz do poste da rua.  Na minha frente três quadros pintados por uma tia já falecida, mas não esquecida. Tia Silvinha.

Um dos quadros é a imagem do Velho Engenho onde passei minha infância, uma infância feliz. Lá nos meses de férias reunia os tios e primos. Lembrei-me do cheiro da bagaceira (bagaço de cana) espalhada em frente ao armazém de açúcar e do curral, onde a gente brincava, do cheiro do açúcar bruto que vinha do armazém, dos moradores que passavam de manhã cedinho com suas ferramentas agrícolas, dos vaqueiros aboiando a boiada, dos jumentos carregados de cana em suas cangalhas, do gemido dos carros de boi, que com seu cantar triste atravessava toda propriedade, dos passeios a cavalo pela propriedade, ou pela vizinhança. Às vezes íamos ver as cheias dos rios Trairi e Araraí, das idas ao centro da cidade, onde tinha uma praça. Parávamos os cavalos e ficamos olhando as moças passearem, ás vezes saia um namoro.

 Lembrei-me também da casa grande, toda alpendrada, piso de cimento vermelho e mosaico, fogão a lenha na cozinha, no banheiro tanque para armazenar água para o banho de cuia (fruto da cuieira). Tinha também o chuveiro e a pessoa fazia opção pelo tipo de banho. A água vinha de um grande cata vento que ficava no  quintal onde tinha criação de aves como galinha, peru, patos, guiné e uns poucos pavões. Tinha também porcos, preás e tatus.

Lembrei-me de umas árvores grandes que mamãe chamava de casuarina, na sua parte mais alta uma espécie de cipó que fazia um barulho como se fosse um gemido, ficava entre a lateral da casa grande e uma igrejinha que passava o tempo todo fechada, abria apenas para um batizado de filhos dos operários ou raramente uma missa quando minha Vó solicitava ao padre de São José do Mipibu.

As lembranças são muitas, do leite cru tirado ainda no curral do peito da vaca, das festas juninas, do João Redondo feito com bonecos de pano, das corridas de cavalos, dos namoros com as filhas dos moradores.

Olhei ainda na penumbra, o quadro no silêncio da noite, parecia querer falar qualquer coisa, mas só o silêncio se fazia presente.

 

Guga Coelho Leal – Engenheiro e escritor, membro do IHGRN

As opiniões emitidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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